Terceira Casa?

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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A mulher e as pitangas

Nivaldo Pereira

Crônica publicada no Pioneiro, 28/10/2011

São três pitangueiras carregadinhas. As frutas, em amarelo e vermelho, poucas ainda verdes, se oferecem a quem as quiser. Na névoa rala que evanesce a paisagem do cedo matinal, uma mulher estica o braço, colhe as pitangas mais graúdas. Repete o ato na árvore seguinte, e na outra. Sai com a mão cheia. Tudo até natural, numa manhã de outubro, safra da fruta silvestre. A nota dissonante? O fato de as pitangueiras estarem numa calçada do centro de Caxias do Sul, subida da Rua Garibaldi, na quadra entre a Pinheiro e a Júlio.

A mulher, uma transeunte nos seus que-fazeres, põe na bolsa as pitangas, sobe a rua. Eu viro o pescoço, viro a esquina. O cruzamento de vias já é um ruído absoluto, de fúria e velocidade àquela hora. Começa uma terça-feira de urgências, numa cidade que não gosta de perder tempo. Meu olhar, já noutra direção, registra uma sintonia entre as cores das frutinhas – vermelho, amarelo, verde – e as cores do semáforo. Um anjo vagabundo, desses que vadiam nas esquinas, pisca para mim, como a dizer sem palavras: “Achou assunto para a crônica, hein?” Quis saber a que assunto ele se referia, mas, anjo vadio, evapora-se na névoa.

O dia passou, mas ficou a imagem da mulher que colheu pitangas, ficaram as cores do semáforo, ficou a pressa das ruas. Agora, na hora de processar isso tudo, um olhar em verde, de leituras aceleradas e imediatistas, enxerga na mulher das pitangas apenas a esperteza de quem achou frutas dando sopa, de graça, e juntou quantas conseguiu, qual troféu de sorte. Um olhar em amarelo já pede calma na avaliação. Então não havia ar de surpresa no gesto da mulher? A quem se destinaria as frutas colhidas? Talvez seja uma festa ela entregar a alguém o punhado de pitangas e a origem: colhidas bem ali, na calçada...

Por fim, surge um olhar em vermelho, sempre maduro. A mulher parou, interrompeu suas urgências para uma ação tão natural, até inocente. Parei eu, por instantes, para mirar essa cena rara. Vagares na manhã de uma cidade de pressas, cidade que nunca pára. Cidade que detesta sinais vermelhos.

Ei, anjo vadio, então era esse o tema?

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