Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







sábado, 31 de julho de 2010

Se


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 30/04/2005)

Sempre gostei de palavras. É um gostar muito grande e intenso, tanto que estou aqui, fazendo delas o meu instrumento de trabalho. Mas sossegue, leitor, porque só quero me divertir e não vou entrar em aspectos de gramática ou lingüística. A gente também precisa falar besteiras, jogar conversa fora, que é para não levar tão ao pé da letra outras palavras mais densas. Começo citando o termo “concomitante”. Não parece designar aquele bichinho dos jogos eletrônicos que vai comendo tudo pelo caminho? Concomitante só pode ser o nome de um monstro comilão e saltitante! E paulatinamente? Não seria o estilo de ser das irmãs Paula e Tina?
Pois é: nossa mente (pelo menos a minha), diante de um termo desconhecido ou pouco usado, tem a mania de criar uma imagem a partir da semelhança formal com outros termos usuais. Formamos palavras a partir de certos radicais e, por isso, vamos mandando bala no mesmo raciocínio, esquecendo que a língua cria regras somente para ter o prazer incomensurável da exceção. Aliás, o que traz à sua mente o termo “incomensurável”? Eu prefiro não dizer o que penso dele. Ou seja, tenho uma idéia, mas me abstenho de comentar. Tenho e me abstenho: a língua é ou não é engraçada? E nem estou mencionando os trocadilhos, cacófatos e onomatopéias, hilários por natureza.
Todo esse preâmbulo (outra palavra supimpa!) foi só para dar uma introdução da falta de lógica da linguagem. Palavras gigantescas podem não acrescentar quase nada ao que já foi dito, enquanto outras bem pequenininhas mudam tudo, constroem ou destroem mundos. Vale lembrar que o palavrão mais comum do português tem apenas duas letrinhas. Você pode mandar seu desafeto para Pindamonhangaba, que nada vai acontecer, mas se o destino do xingamento for o lugar com duas letras...
Uma sílaba, duas letras, tem também a palavra que dá título a este texto: se. E já que estou nesse jogo infantil com a linguagem, brinco de teórico afirmando que essa reles palavrinha é a causadora da maioria dos nossos males mentais. Todas as preocupações desgastantes que acabam com a gente nascem do “se”. Queremos ardentemente que algo aconteça. Mas, e “se” não acontecer? Pronto! O pensamento vai criar uma rede de possibilidades terríveis para jogar areia no nosso sonho inicial. Se isso, se aquilo, se aqui, se acolá, se o dinheiro não vier, se ela me abandonar, se ele não se curar, se o mundo se acabar... O se é a maior e mais sintética invenção do diabo. Devia constar nas fichas dos internos nas clínicas psiquiátricas, no item razão da internação: “mania de se”. Aproveito para inventar o termo “semaníaco”, aplicado aos corroídos pela dúvida e pelas preocupações. Todos vítimas do “se”, essa palavrinha sonsa e dissimulada...
Nessa minha brincadeira besta, agora vou aproveitar a onda das teorias conspiratórias sobre segredos seculares da religião e marias madalenas para lançar minha própria teoria. Esta: cientistas descobrem que todas as religiões do mundo foram criadas para conter o “se” do homem. Dogmas de fé são um santo remédio para os semaníacos. Para quem Cristo falava no Sermão da Montanha, senão para as vítimas do se? Para quem mais aqueles conselhos sobre confiança no amanhã e no fim das dúvidas? É fato: lírios do campo e passarinhos do céu são melhores do que nós, porque são imunes ao se.
A minha sociedade secreta dos cavaleiros místicos das forças anti-se inclui muita gente famosa na história e no mundo pop. Tem o Djavan, que fez uma canção de sucesso chamada Se (“mais fácil aprender japonês em baile, do que você decidir se dá ou não...”) e tem também o antigo grupo Bread, que, em inglês, fez muita gente dançar coladinho com a envolvente If.
Meu povo, preciso acabar rapidamente esse texto, pois sinto a aproximação de duas letras gigantes vindo ao meu encontro. Meu Deus! É um “s” e um “e”... Oh, não! As letras se juntaram! Para trás, miseráveis! Tarde demais... Estou acabado... O se me pegou na cabeça. E se o leitor não gostar do que escrevi? Se achar muita idiotice? Se não entender a brincadeira? Se nunca mais quiser ler meus textos? E se...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Comida



Nivaldo Pereira
Crônica publicada no jornal Pioneiro, 2007

“Coma o bife.”
“Não quero. Bife é carne de vaca morta.”
“Minha filha, a gente precisa comer pra viver. Com todo ser vivo é assim. Na natureza, os animais carnívoros se alimentam de outros animais. É lei da vida, desde que o mundo é mundo. Coma e não discuta.”
“Não quero ser responsável por deixar um bezerro sem mãe e muito menos ajudar a devorar o cadáver de uma pobre vaquinha indefesa.”
“Foi seu irmão quem pôs essas idéias malucas em sua cabeça, não foi? Deixe ele lá, ser vegetariano. Mas você é pequena, está em idade de crescimento e precisa se alimentar direito. Carne é proteína.”
“Mas tem outros tipos de proteína nos vegetais.”
“Ah, tá querendo bancar a esperta, não é? E já que quer se mostrar a sabichona em matéria de comida, me responda uma coisa. Você não quer comer carne com pena da vaca ou do bezerro, mas não tem pena dos vegetais? Não tem pena da pobre cenourinha que devia viver feliz na horta até parar em seu prato pra ser mastigada?”
“Cenoura não é bicho. Não anda, não grita, não sente dor...”
“Como sabe que ela não sente dor? Já foi perguntar isso a ela?”
“Então eu não vou comer mais nada que seja vivo. Só chocolate.”
“Ah, te peguei. Sabe de que é feito o chocolate? Do cacau, fruto de uma árvore vivinha da silva. “
“Então eu como salgadinhos.”
“Feitos de amido de milho, umas espigas lindas e felizes na roça.”
“Então eu não como nada, nunca mais.”
“Ai você vai morrer, vai ser enterrada, e os bichinhos embaixo da terra vão te comer todinha. É melhor comer o bife, se não quiser virar comida dos vermes de debaixo da terra...”
“O bife tá frio.”
“Eu já esquento no micro.”
“Mas eu não quero nem a cenoura nem o arroz. Um cadáver por dia basta.”
“Menina, pára com essa conversa de cadáver. Seu irmão me paga. Você sempre foi impressionável, e ele ainda fica enchendo sua cabeça com essas besteiras.”
“Besteira nada. Ele disse que as pessoas mais evoluídas não comem carne.”
“Ah, tá, e ele se acha muito evoluído... Brigou ontem no telefone com a namorada e xingou a coitada com nomes horríveis. Semana passada deu um soco num amigo no futebol. Muito evoluído ele...”
“Ele disse que Gandhi não comia carne.”
“Por isso o Gandhi era tão magro e amarelo.”
“Esse bife tá muito vermelho, tem sangue ainda na carne. Assim eu não consigo.”
“Já estou perdendo a paciência contigo. Você já tem dez anos e não é nenhuma bebezinha pra ficar nessa birra. Se não quer comer, não coma. Pode ficar doente, pode morrer se quiser...”
“Quer que eu morra, é? Você não gosta de mim...”
“Ei, que é isso, minha filha? Se eu não gostasse de você não estaria perdendo meu tempo lhe fazendo comer, pra ficar saudável e bonita. É por seu bem que eu quero que você coma direitinho. Dá aqui o prato. Vou passar melhor esse bife até ele ficar tostadinho.”
“Muito queimado eu não gosto.”
“Vai ficar no ponto, pode deixar.”
“Faz um sanduíche com ele. Assim eu nem vejo a carne.”
“Certo, meu bem.”
“Mãe?”
“O que foi agora?”
“Pão de sanduíche também é vivo?”
“O pão vem da farinha, que vem do trigo; leva ovo, que vem da galinha; manteiga, que vem da vaca...”
“Então traz o bife sem pão mesmo.”

O maior golpe do mundo



Nivaldo Pereira
Crônica publicada no jornal Pioneiro, 30/07/2010

Antes que julho acabe, vale lembrar que neste mês faz 50 anos que o gaúcho Victor Matheus Teixeira, o Teixeirinha, teria lançado a canção que mudaria para sempre sua vida. Coração de Luto, narrando em tintas extremas “o maior golpe do mundo” – a perda da mãe num incêndio -, em poucos meses tornou-se um fenômeno sem par na música brasileira. Vendeu cerca de um milhão de discos, segundo os pesquisadores Jair Severiano e Zuza Homem de Mello. Consta que a gravadora não dava conta de prensar discos para atender a tantos pedidos, fazendo a canção ser vendida a preços exorbitantes em mercados negros. De um lado, era o Brasil se debulhando com o relato de dor terrível; de outro, críticos tentando entender o que se passava.
Os estudiosos citados atribuem tanto sucesso também a um público que tripudiou Coração de Luto, rebatizando-a de “Churrasquinho de Mãe”. Não concordo muito com essa visão. É fato que a música apela, foi feita para arrancar lágrimas, mas acho difícil que seus detratores tenham contribuído tanto para um sucesso que poucos anos depois chegaria ao cinema, no filme homônimo. Entendo mais a coisa como manifestação do fascínio humano pela tragédia, que desde os antigos gregos dá o que falar. Aristóteles já dizia que a tragédia encenada, suscitando a compaixão e o terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções. É pura catarse: vamos chorar a desgraça alheia para evitar que ela desabe sobre nós.
Dos gregos a William Shakespeare, passando depois pela ópera italiana, até chegar ao moderno teatro brasileiro de Nelson Rodrigues, mortes, tragédias e assassinatos nunca saíram de cartaz. Grande arte mesmo é falar disso sem apelação. E foi bem ali, pelos anos 1960, quando os teóricos da comunicação viam a confirmação das idéias sobre indústria cultural e kitsch – uma estética voltada às massas, com intenção de provocar um efeito já definido – que Teixeirinha lançou em música sua história triste feita para judiar corações. Goste-se ou não, ninguém pode tirar dele o mérito de inserir o Rio Grande do Sul na canção popular brasileira. E no cinema de massas também.

Doce brinquedo sonoro

Só mesmo o Patu Fu, uma das bandas mais criativas do pós-rock nacional oitentista, para fazer um disco como Música de Brinquedo. O título já diz tudo: os instrumentos usados em recriações de pérolas do pop são todos de brinquedo. E ainda tem o vocal esperto de crianças. Disco ótimo, para grandes e pequenos, com repertório de primeira. Reparem a gravação de Primavera (Cassiano e Silvio Rochael), mais conhecida no vozeirão de Tim Maia. Eu, que já sou tiete da Fernadinha Takai, com sua meiguice e voz doce, estou feito menino, de olhos brilhando e ouvidos encantados.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Contos astrais: O leão


Sentiu outra vez a repentina pontada no coração, uma dor mais aguda do que a de ontem. Reclinou a poltrona e afrouxou a gravata, tentando respirar fundo e devagar. Percebeu que estava pálido pelo susto da secretária, quando esta entrou na sala para anunciar o começo da reunião. Ele disse que estava bem, que já ia, que não precisava de nada, que apenas o deixasse quieto só um instante. Mas ficou muito preocupado. Lembrou logo do pai e do tio – família de corações fracos. Não devia facilitar com isso: antes de sair, tomou coragem e ligou no telefone celular para um grande amigo, médico cardiologista. O outro exigiu vê-lo com urgência no horário de almoço, única brecha na agenda de ambos. Com o súbito ânimo de quem se percebe protegido, seguiu para a reunião, que não podia prescindir do devotado presidente da empresa.
Passava do meio-dia quando ele saiu do prédio. O sol a pino lhe ofuscou a vista. Esquecera os óculos escuros em cima da mesa! O relógio avisou que não daria tempo de almoçar em casa e chegar para a consulta. Pensando bem, era até conveniente não encontrar a mulher. Não queria se aborrecer de novo com a mesma questão. Telefonou com uma desculpa: almoço inesperado, executivos do Japão. Sem fome, mal entrou no carro para ir ao consultório do amigo, ouviu o celular tocar. Ele. Ia se atrasar um pouco, coisa de meia hora. O que fazer, então?, foi pensando, enquanto dirigia. Decidiu: caminharia um pouco sob as árvores da alameda onde ficava a clínica. Seria bom. Logo estacionou defronte e saiu a bater pernas, vendo o sol varar as folhas parcas do inverno, a luz mortiça irradiando uma vibração perigosa. Perigosa porque era impossível não pensar na causa de sua dor. O filho. Sua única cria. Justo ele! Seu ouro, seu tesouro, sua aposta, sua vida. Uma punhalada! Foi o que sentira no coração...
A alameda da memória fez ressurgir o menino louro, de sorriso irresistível em maçãs salientes e olhos amendoados. Um pequeno deus! Ele, o pai, tinha sido o chão sobre o qual brincara cheio de vontades esse ser iluminado. Presente dos céus: o filho mais lindo, mais magnético, de carisma absoluto. E, bênção suprema, o moleque adorava ir ao escritório! Amava olhar a cidade pela vidraça do quinto andar! Querido do pai, mimo de todos, corria livre por todo canto, até na sisuda sala de reuniões. Gostava de saber que aquilo tudo seria seu, ou melhor, já era seu. E o pai deixava de lado as resoluções importantes para ouvir o chamado insistente do filho a apontar da vidraça as miudezas da rua lá embaixo. Um presente de Deus! Por esse filho fez tudo. Concedeu todos os luxos, atendeu a todos os desejos. E por causa desse filho agora podia morrer! Oh dor! Se a vida humana é drama, nada além de tragédia, então ele agora sentia no peito a piada dos deuses. Seu tesouro era ouro de tolo!
Entregue aos pensamentos, nem notou que já caminhara por várias quadras. Estava bem em frente ao jardim zoológico. Ainda tinha tempo, por isso tomou o caminho de entre as jaulas dos bichos, embora soubesse que isso fatalmente o faria lembrar ainda mais do filho. Por que, meu menino? Por que você foi fazer isso comigo? Você cresceu dizendo que queria ser igual a mim. E eu fechava os olhos para seu cabelo louro comprido, suas tatuagens, sua guitarra barulhenta, seus deslizes. Você quis estudar para melhor administrar nosso negócio, e eu me senti nas nuvens. Aí, meu menino, agora você me diz que já tem 20 anos, que é dono do seu nariz, que minha vida é um lixo e que não quer viver na minha sombra. Como, meu filho, se eu é que gravitei em volta da sua luz? Você me avisa que abandonou a faculdade, que vai estudar teatro na Inglaterra... E me revela, assim, sem mais nem menos, na mesa do café, que ama outro homem e que vai embora com ele... E que sua mãe sempre soube disso e que o apóia... Você me traiu, meu filho!
Seguiu andando, alheio aos gritos dos macacos, no zoológico quase deserto daquela primeira hora da tarde. Quando deu por si, estava diante da jaula do leão. Dupla proteção, de arames e grades, encarcerava o tal rei das selvas. Na placa, o aviso de perigo e o nome científico: Panthera leo. O leão dormia, solitário, com o corpo estirado na magra nesga de sol que invadia a cela. A juba dourada, embora maltratada, ensaiava um ligeiro brilho nos raios de luz. Quanta crueldade!, pensou. Esse animal não nasceu para tamanha humilhação! E a juba... essa juba... qual uma loura cabeleira... De súbito, o choro lhe brotou da cara aos borbotões, sem óculos de sol para esconder. Deus, como se podia permitir uma violência dessas? Por que reduzir um bicho tão vistoso, de natureza livre, a um quadro tão deprimente?
Aquele leão... E ele caiu em si. Como podia prender o filho a uma vida que não era a que o rapaz queria mais? Que direito era esse, que ele chamava de legítimo amor? Estava aos soluços, quando o telefone tocou. O doutor chegara. Era hora de começar a se cuidar. Precisava viver muito ainda. Tinha um filho único a amparar. Um filho que o estava ensinando que amar também é dar ao outro a liberdade de ser sempre fiel ao próprio coração.

O quadrado dos catetos


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no jornal Pioneiro, 23/07/2010

A soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. Hipotenusa? Como é mesmo o nome daquela loura que cantou doidona o hino nacional? Não é bem Hipotenusa, mas algo assim. O povo riu e criticou, mas aquele hino nacional na versão da tal Hipotenusa é a cara da relação de muitos políticos com o Brasil. Hum, isso pode ser tema da redação.
Memorize, memorize... A soma do quadrado dos catetos... Cateto não é um tipo de arroz? Arroz quadrado? Só se for daqueles italianos, para risoto. Como será que fazem para o grão ficar assim, cortadinho? Deve ser algum truque transgênico. Opa, esse lance transgênico pode ser tema da redação. Os naturebas não querem nem saber disso. Ah, mas eles comem aquele arroz integral grudado... Gente estranha!
Vamos lá, teorema de Pitágoras. Grego tem cada nome esquisito e enorme! É Anaximandro, Parmênides, Eurípedes, Aristóteles, Arquimedes. O tal Platão, apesar de terminar em ão, deve ser um diminutivo. Platão! Parece o Cebolinha pedindo um prato grande: quelo um platão. Um platão de lisoto de aloz cateto...
Arre! De novo: em qualquer triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa... Pera lá! Se é triângulo, como pode ser retângulo? Isso eu sei muito bem a diferença. Um tem três lados, o outro tem quatro. Cadê a lógica? Depois querem que a gente aprenda matemática. Os caras viajam! Devem tomar as mesmas boletas da dona Hipotenusa... Esse teorema de Pitágoras devia se chamar teorema LSD. Ou teorema do Chapeleiro Maluco. Um triângulo que é retângulo? Deu nó aqui, deu nó...
Melhor pegar um pouco de biologia. A célula é a unidade funcional dos seres vivos. Núcleo, citoplasma, mitocôndria... Ah, tinham que esculhambar. Mitocôndria deve ser nome de grega. Dona Mitocôndria, mulher de seu Alcebíades... Complexo de Golgi! Sim, tadinha, traumatizada com o nome horrível, dona Mitocôndria sofria com o Complexo de Golgi! Ui, com essa, escorreguei no vacúolo, caí no zigoto!
Cadê as outras apostilas? Química. Física. Literatura. Geografia. É melhor dar um tempo. Ser inteligente agora é descobrir onde a mãe escondeu meus patins.

domingo, 18 de julho de 2010

Genial Aldir


Ele não tem a fama de um Chico Buarque, mas é tão genial quanto. O carioca Aldir Blanc é um dos maiores poetas/letristas de música que esse Brasil já pariu. Adoro ele, sempre adorei, desde as antológicas parcerias com João Bosco na década de 1970. Virginiano, Aldir tem olho de lince para as coisinhas miúdas onde a poesia do cotidiano costuma se esconder. Quem mais falaria com tanta arte da "ponta de um torturante band-aid no calcanhar"? Ou no "risco de sombra em teus cílios"? Irônico, engraçado e terno, ele escreve e escreveu canções imortais sobre nós, gente comum, classe média de vilas e suburbanos corações. Hoje pus a tocar um disco em que ele ataca de cantor: Vida Noturna. Reproduzo a letra de Lupicínica, cruel e encantadora, uma homenagem óbvia ao gaúcho Lupicínio Rodrigues. Doeu? Ora, siga o baile, dois pra lá, dois pra cá, que a esperança equilibrista sabe que o show deve continuar.

LUPICÍNICA

Amei
uma enfermeira do Salgado Filho,
paixão passageira, sem charme nem brilho,
roteiro batido, romance na tarde.

E aí, numa seresta na Dois de Dezembro,
me perguntaram por ela: "-Nem lembro...",
eu respondi com um sorriso covarde.

Ouvi - que bofetada! - "Morreu duas vezes.
Uma aqui e agora, a outra há seis meses".
Balbuciei: "-Morrida ou matada?"

"-Depende do seu conceito de assassinato.
Um pobre amor não é amor barato.
Quem fala de tudo não sabe de nada."

Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele de esquina,
morou uma enfermeira com a chama vital de Ana Karenina.

Dirá um dodói que Tolstói era chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa...

Aquela mulher que dosava o soro nas veias dos agonizantes
não teve sequer um calmante pra dor sem remédio que aflige os amantes.

Por mais que a literatura celebre figuras em vã fantasia
ninguém foi mais nobre que a Pobre da Enfermaria.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Faz tanto frio


Fim de tarde, sexta-feira invernosa. Chego da rua tiritando. Audácia: quase zero grau e ousei sair sem touca, sem luvas, me achando de couro já curtido. Há dias, uma névoa glacial tomou conta da cidade. É isso que dá morar em serras do sul, mais perto do céu, mais perto do círculo polar. O povo olha pra cima, espera flocos de neve. Lembro-me de outros anos, outras neves: a gente fica idiota, brinca, grita. É um Brasil estranho esse aqui. Talvez a neve celebre esse quadro de diferença, o toque especial da Serra Gaúcha e suas araucárias. O frio e a névoa me levaram em memória a Berlim, onde fiz, ano passado, a foto acima, de minhas pegadas em frente ao cinema onde dias antes tinha rolado o famoso festival. Um mundo branco e gelado, neve fofa acumulada. Eu adorando. Sem carecer de explicação. Paisagem lunar: pegadas de astronauta.

Crônica glútea


Nivaldo Pereira
Texto publicado no jornal Pioneiro de 16/07/2010.
Esta crônica é resultado da anterior: ela é a caça de Caçada.

Lá estava, ao lado duma lixeira da praça, o manequim de fibra, sem corpo acima do umbigo. Um ser feito somente de pernas, pélvis e bunda. Um buraco na coxa direita talvez explicasse o descarte daquele insólito objeto, que, por não caber na lixeira, fora deixado ao lado, de pé. Eu ri daquela curiosa composição estética. Marcel Duchamp gostaria disso, pensei. E segui pensando, não no francês que fez arte com objetos prontos, mas na coisa em si: um manequim para calças. Quando foi que notei pela primeira vez esse tipo de corte da forma humana?
Acho que foi ali pelo começo da década de 1990. Antes disso, em minha memória, manequins de vitrines não eram seccionados dessa forma, somente para expor popô. Aliás, aproveitando a sonoridade infame da expressão expor popô, o tal começo dos anos 1990 foi marcado pela explosão dos tchans e tchuns da axé music, com suas rimas sacanas e seus bumbuns rebolantes. A era das sheilas luxuriosas e suas garrafas. E das cachorras popozudas. Na linha evolutiva da espécie, foi um estágio intermediário entre as jurássicas Gretchen e Rita Cadilac e as clonadas mulheres-frutas atuais. Foi ali, acho eu, que as lojas populares puseram na calçada manequins femininos sem cabeça nem tronco, exibindo para a rua traseiros tornados perfeitos pelo tecido elástico da calça.
Sempre achei graça disso, sem moralismos. Não dizem que é a preferência nacional? Que tudo o que é bonito é para se mostrar? Então, qual o problema? Muitas vezes, no besteirol que costuma assolar minha mente, eu ficava imaginando uma feminista xiita fazendo um protesto pela volta das cabeças aos manequins-bumbuns, pois esses reduzem a mulher a quase nádegas. Ou imaginava um historiador explicando que essa fragmentação do corpo ocorre na esteira da dissolução do bloco socialista e do fim das ideologias. Ou um tarado simplesmente exclamando: oba!
Voltando ao manequim, meia hora depois ele já tinha sido levado da praça, não sei por quem. Um artista? Um anatomista? Um lojista? Um tarado? Só sei que a boneca sem cabeça me rendeu o tema dessa crônica algo glútea. Valeu, popozuda!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sertões de poesia



"Muita coisa importante falta nome", diz o ex-jagunço Riobaldo, no relato da sua jornada de autoconhecimento pelos sertões. Buscar o nome das coisas, mapear as terras de dentro e de fora do homem: eis algumas rotas de leitura do assombroso Grande Sertão: Veredas, que eu devorei, transido de êxtase, há poucos dias.
Havia uma lacuna grave, quase inconfessável, em minha formação de leitor: não conseguira ir adiante nesse livro, quando eu tinha uns 20 e poucos anos. Tinha travado na linguagem, na narrativa longa sem capítulos - e são mais de 600 páginas. Naquele tempo, eu não estava mesmo preparado para entrar no Grande Sertão do Rosa. Pois agora, graças aos deuses da serenidade, fui arrebatado pela prosa poética do livro. Bastou me entregar à fala do Riobaldo. Quando mais lia, mais tinha ganas de gritar, feito a alegria de Riobaldo ao aprender, com Diadorim, a apreciar a beleza e a delicadeza das coisas. Em meio à aspereza violenta do mundo dos jagunços em guerra, Guimarães Rosa nomeia as dobras do coração do homem com toque de gênio. Reparem este trecho, em que Diadorim/Reinaldo mostra passarinhos a Riobaldo:
"Até aquela ocasião, eu nunca tinha ouvido dizer de se parar apreciando, por prazer de enfeite, a vida mera deles pássaros, em seu começar e descomeçar de vôos e pousação. Aquilo era para se pegar a espingarda e caçar. Mas o Reinaldo gostava: -'É formoso próprio...'- ele me esinou. Do outro lado, tinha vargem e lagoas. P'ra e p'ra, os bandos de patos se cruzavam. - 'Vigia como são esses...' Eu olhava e me sossegava mais. O sol dava dentro do rio, as ilhas estando claras."
É impossível a gente não seguir Riobaldo e nomear junto as ilhas e chapadões do nosso próprio coração, em seus claros e escuros. Quando acabei o livro, entre lágrimas, custei a me despedir dele. Entendi o que diz meu mestre Flávio Loureiro Chaves:"Quando se termina de ler Grande Sertão:Veredas, se está pronto para ler... Grande Sertão:Veredas". Para dar um tempo no livro, e não no Rosa, mergulhei nas Noites do Sertão. Eu acho que o Rosa tinha parte com o cão... Vai ser mágico e maravilhoso assim no inferno!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Caçada


Nivaldo Pereira
(Crônica publicada no jornal Pioneiro, 09/07/2010)

Depois de longo tempo em frente ao computador, o cronista desiste: sua caça, a crônica, não quer morder a isca. Como presa viva, crônica é bicho esperto, tornado arisco pela experiência. De tanto cair nos laços conhecidos, ela aprendeu a roer a corda, a comer pelas beiradas, a pular fora do alçapão da memória do cronista. Resta ao caçador ir à luta, de rede em punho, pelas ruas da cidade, no faro da crônica em movimento. Aqui está ele, na calçada, com todas as armas e armadilhas, na arte do rastrear.
Pode ser que a crônica esteja ali, na entrada da galeria, por entre as muambas do vendedor de vídeos piratas, confiante, a danada, na cumplicidade malandra dos clandestinos. Ou adiante, detrás da velhinha que entrega folhetos aos passantes – velhinha atarantada, que gira, gira, querendo os que vêm e os que vão. Ou quiçá esteja acolá, na fachada do prédio antigo, oculta pelo desinteresse que as coisas de outrora despertam nos modernos. O cronista puxa da capanga um binóculo. Não, a caça tampouco está na nova parabólica no terraço do edifício.
Ah, a praça! A praça é campo perfeito para a crônica se esconder, entre tantos motivos, tantas sementes de assuntos que ali costumam germinar e florescer. Estaria nas asas do pombo pousado na cabeça de bronze do Duque? No vento musicando os altos galhos da araucária? No repique pontual do sino do campanário? Nos olhos enevoados do aposentado que espia o zunzunzum? Não. A presa que o caçador persegue hoje parece não ser da raça que se alimenta de lirismos banais. Vai que ela está no flerte da feia prostituta... No cheiro acre do banheiro público... No delírio destrutivo do jovem drogado...
O sol sobe, o cronista até pensa em desistir e contentar-se com o tema de mais uma farmácia na quadra. Mas a sanha de predador o domina. Ele mira, fareja, tateia, apura. Por aqui, por aqui. Um, dois, três, zás!: rede atirada, crônica fisgada. Irreverente, ela estava no oco de um manequim de loja, desses que são pernas sem corpo, e que fora abandonado ao lado de uma lixeira. Crônica na sacola, o caçador volta ao computador. Agora, basta escrever.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Lecuona

A música do cubano Ernesto Lecuona (1895-1963) serviu de inspiração para as coreografias do espetáculo Lecuona, que o Grupo Corpo montou em 2004. Assisti em DVD, ano passado. Uma beleza: somente duetos, 13 canções com aquela batida romântica que cheira a bolero. Agora consegui o CD. Minha preferida é Mariposa, cujo link a seguir mostra a coreografia com o Grupo Corpo:
http://www.youtube.com/watch?v=XHSYAZd2aPEom/watch?v=XHSYAZd2aPE
Lecuona é um dos gigantes da música latina no século XX. No disco Fina Estampa, Caetano Veloso gravou dele a ótima Maria La O. Outra canção dele está no filme 2046, de Wong Kar-Wai. É o bolerão Siboney, cantado por Connie Francis, que pode ser conferido no link:

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Porta-retrato

Nivaldo Pereira
(Crônica publicada no jornal Pioneiro, 02/07/2010)

No porta-retrato, na estante da sala, meu avô abraça minha avó. É uma foto de 1983; eu mesmo fiz, lembro bem, com aquelas maquininhas baratas, por isso a imagem tem agora o tom rosa-fugidio de coisa que vai desaparecer. Reconheço no rosto dela o traçado meio caído das minhas próprias pálpebras. Nele, vejo-me no corpo magro, nuns olhos apertados de quem parece mirar lá longe. Dona Milu e seu Maninho: alcunhas bem baianas, ocultando em singeleza os nomes mais agrestes de Almerinda e Petronílio. Saudade de avós é sensação quente, cheira a seiva de alfazema e tem gosto de doce de caju.
Seu Maninho andava curvado à frente, por causa da coluna, mas era ligeirinho no passo. Sem um fio branco no pretume natural do cabelo, só ele dava corda no relógio grande na parede. Tic-tac, tic-tac, marcação de dias e noites, ecos na alta cumeeira. Sentado na calçada, tirava a tampa do chifre com rapé e dava uma cafungada. Vovô, deixa eu cheirar. Atchim, atchim, quiquiqui-cacacá: moleque de tudo ri, e ele ria junto.
Vovô sabia da Lua e das estrelas, escutava a voz do vento, rezava para as almas no quintal. Todo dia primeiro de janeiro, manhã cedo, fazia uma simpatia: ia espiar o espelho d’água de um fonte, saber se viveria mais aquele ano. Até que uma vez chegou triste: minha velha, não me vi na fonte, nesse ano vou-me embora. E foi. Outubro. Morreu assim, puf!, feito passarinho – contava minha avó.
Dona Milu era forte, suportou o oco no peito. E outro oco, e mais outro: ah, por que filhos e netos morrem? Aí a morte virou uma presença, quase amiga, fosse na sala, no oratório do quarto ou na cozinha (cuja porta abria para uma cerejeira carregada). Quando fez 90, Milu se cansou. Mas a morte, ali, não achava brecha naquele corpo bem tratado. Então, a velha foi indo embora na cabeça, num alheamento gradual, até virar uma boneca, na cama: criança que as filhas mimavam. Faz um mês que ela partiu de vez, com quase 95. Naquele dia, deram fé: seu Maninho faria exatos 100 anos. Eita velho mágico! Olha só a cara dele, de mistério e travessura, neste porta-retrato. Será que no céu tem rapé?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Poeta do mato


Ando encantado com a Poesia Completa de Manoel de Barros, lançada pela editora Leya. Vale a pena dar-se de presente a obra desse poeta mato-grossense que cantou como ninguém o susto e o encantamento do homem diante da Natureza e de sua própria natureza. Simbiose ao modo do Rosa, fina flor dos sertões de dentro da gente. Destaco uns versinhos soltos, poeminhas na simplicidade que tudo diz:

Tudo que não invento é falso.
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Tem mais presença em mim o que me falta.
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Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
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Sou muito preparado de conflitos.

Contos astrais: Caranguejos




Nivaldo Pereira

Enquanto esperava sentada sua vez de ser atendida, tentava descobrir que encomenda seria aquela, sobre a qual recebera um aviso do correio. De olho no número da senha eletrônica, divagou sem perceber no sonho que tivera. Era noite, estava numa praia, ou rio, de mão dada com um homem alto, muito alto (quem era ele?), quando se via rodeada de caranguejos, todos em posição de ataque, pinças levantadas e aquele peculiar caminhar de lado, traiçoeiro. Em pânico, ela tentava subir no corpo do homem, mas ele afundava na areia fofa, até desaparecer de vez no chão. E aquele exército de caranguejos ali! Acordara aflita. Por que tanto medo de caranguejos? Quando vira o primeiro, assim, ao vivo, já era uma adolescente, mas o pavor era bem mais antigo, talvez fruto de alguma memória perdida no profundo do seu poço íntimo.
Assustou-se com um toque em seu braço. Era um ex-aluno, sentado na fileira de trás do espaço de espera do correio. Ela sorriu, dizendo oi, bom te ver. Um garotão inteligente e sensível, que adorava história antiga. Lembrou do intervalo de uma aula, no ano anterior, em que esse rapaz de olhos sempre úmidos trouxera uma gravura egípcia, reprodução de um papiro com um escaravelho, em busca dos significados daquele símbolo. Dissera ele que sonhara com aquele bicho, por isso queria saber tudo sobre o assunto. No dia seguinte ela entregara a ele cópias de páginas de livros sobre mitologia egípcia. E desde então passara a vê-lo com uma cumplicidade afetiva, quase como a um filho. No visor, viu acender o número de sua senha. Disse tchau ao rapaz e dirigiu-se ao balcão.
Entregou ao atendente o aviso recebido e a carteira de identidade. Ele voltou logo com uma caixa pouco maior que uma de sapatos. Em letra tremida, mas caprichada, no destinatário estava escrito Celene, e não a grafia certa, Selene. No remetente, a surpresa: Margarida Sampaio, a madrinha de crisma, de quem não tinha notícias há anos. Assinou o recibo e saiu ansiosa em direção à casa, louca para abrir o pacote. Dinda Margô! Ainda estava viva. Como soubera seu endereço? Saiu do elevador já tentando arrancar com as unhas as fitas adesivas da caixa. Em poucos minutos, estava tudo desempacotado, em cima da mesa: uma toalha redonda, feita de fuxicos coloridos (Dinda Margô era uma artesã!), uma carta e um velho álbum de fotografias. Indecisa se olhava primeiro as fotos ou se lia a carta, abriu o envelope, sentindo certo frio no estômago, e sentou-se na poltrona.
A madrinha demorava-se em preâmbulos, dizendo que sempre quisera falar a verdade a ela, desde a morte da mãe, há anos, mas que somente agora se sentia na obrigação de relatar tudo, por causa da notícia que havia recebido. “Soube que seu pai morreu no começo deste mês”. Como assim? “Eu jurei para sua mãe nunca falar nada, mas agora nem ela e nem seu pai estão mais entre nós, então devo revelar.” Deus! O que é isso? “Você, que estuda história, tem o direito de saber, e não posso morrer com esse segredo. Seu pai não morreu atropelado quando você era pequena.” Que piada é essa? “Ele abandonou sua mãe e você, para viver com outra. Foi quando sua mãe veio com você morar aqui na cidade, onde não conhecia ninguém, só a mim. Ele era um caminhoneiro, vivia viajando. Sua mãe temia que você sofresse mais com o abandono e preferiu falar em morte.”
Lágrimas automáticas despencaram sobre o papel e ela parou de ler um instante. Isso não podia ser real! Devia ser alguma novela barata da televisão! As mãos tremiam segurando a carta. A madrinha falava a seguir nos retratos, que a amiga pedira para ela guardar, pensando em um dia contar toda a verdade à filha, mas morrera sem tomar essa decisão. Trêmula, abriu o álbum. Muitas fotos do casamento dos pais. O pai! Nunca tinha visto sequer um retrato dele. Era um homem bonito, de sorriso aberto. Outras imagens: o casal numa praça, o pai segurando um bebê: ela? E uma última foto, que a deixou mais perturbada: o pai na boléia do caminhão, ao lado de uma menininha, de um ano ou dois (ela! ela!), segurando a bola de acrílico da marcha, onde claramente faiscava a imagem de um pequeno siri...
Veio-lhe à mente o sonho, os caranguejos, o medo. Que dia louco! A história de sua vida tinha virado pó a partir do conteúdo de uma caixa inesperada. Guardaria ela no inconsciente a lembrança daquele siri na bola transparente? Teria irmãos, por parte desse pai que nunca conhecera? Como lidar com tantas questões, tanta emoção que ameaçava romper um dique oculto dentro de seu peito? Isso: chore, amiga, chore feito criança abandonada. Depois você pensa no que fazer com esse novo passado e com o seu futuro. Agora, apenas chore.