Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







domingo, 17 de julho de 2011

Mosca na crônica


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 15/07/2011

Você me pergunta que negócio é esse de linguagem, e eu digo que o jeito mesmo de você perguntar já é um diferencial, seu palavrório peculiar, porque sua afirmação no mundo acontece por essa linguagem própria, que instaura um universo, mas você não parece entender e fica apenas rindo da minha cara, e é quando eu rebato, meio zangado, que detesto essa sua atitude de escárnio ante o que não compreende, e que isso é típica defesa infantil, naquela base da criança mimada que, quando contrariada, desmancha o jogo ou grita me dá minha bola, e só para me provocar, como se eu não tivesse previsto tal reação, você se infantiliza ainda mais e me faz cócegas, levando a questão para um desenlace idiota, e eu rio, é claro, pau da cara, mas rio, pois sempre fui muito sensível a cócegas, e você muda de assunto, esquece tudo, não quer mais saber de linguagens.

Nada mais diz. Um traço sombrio no olhar. Que mira o vazio. Por que você é assim? Sabe que isso me incomoda. “Isso” o quê? Não se ouve palavra. A boca não pergunta. Mas o olhar, sim. Aprendi a traduzir sua mudez. Respondo mentalmente. Isso-isso, ora, esse traço seu. Traço chato, besta. Mania doida de fugir do sério. Coisa bipolar. E de repente a seriedade é crônica. Radical, nada chique. O silêncio soa depressivo. Sinto ganas de ir embora. Emudeço também. Mas sempre contemporizo. Puxo um assunto leve. Só para trazer você de volta. E me frustro. Porque ardo de raiva. A vontade é de sair pisando duro. Dizer-lhe verdades cruas. Só que você pode me vencer. Jogar-me na cara que o infantil sou eu. Que não tenho senso de humor. Daí, fico. Aqui, do seu lado. Duas crianças birrentas. Competitivas. Nunca gostei de espelhos.

Chega desse trololó, saiam já da minha crônica! Tenho coisas sérias a escrever!

A voz do cronista é tonitruante. Você acha graça da palavra tonitruante. Aquele que troveja. Eu também rio. E juntos desafiamos o senhor autor. Why so serious? Me Curinga, you Batman. Me Tom Zé, you chimpanzé. A voz do cara troveja mais, promete apagar a gente. Pois pode tentar, otário! Hoje somos a mosca que pousou em sua crônica.

A professora televisão


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 08/07/2011

No Brasil, onde a educação formal só ganha destaque por deficiências e polêmicas, é curioso observar a função educativa de seu ainda mais importante meio de comunicação, a televisão. Sim, a televisão é professora no Brasil. E seu principal produto em audiência, a telenovela das nove da noite, é o quadro negro portátil que diariamente segura a atenção de alunos de todos os rincões.

Há muito, toda novela traz em seu enredo uma ou várias campanhas sociais, sobre inclusão, denúncia ou mudança de comportamento. Soa bizarro um produto de entretenimento, de base fantasiosa, como a novela, assumir papel tão importante na cidadania. Mais bizarro ainda é a gente legitimar tal magistério eletrônico. Pelo menos a televisão está fazendo algo, pensamos.

Nada contra esse padrão. Pelas evidências, há mudanças significativas na sociedade, ou nas ações governamentais, quando determinado tema é abordado na novela da vez. Nos últimos tempos, por causa da empatia com personagens de novela sofrendo com desatenções e preconceitos, certos tabus sociais ganharam visibilidade e discussão. A trama de agora estampa o tema da homofobia, e antes vieram as drogas, a gravidez na adolescência, a esquizofrenia, a cegueira, as compulsões afetivas, os direitos dos idosos...

Repito: nada contra isso, pois louvo qualquer ação por um mundo melhor. Mas fico incomodado com duas coisas perigosas. Uma é a oficialização da temática social nas novelas: de um lado, vincula ao real o que era para ser mero entretenimento, e de outro, vai atenuando as devidas responsabilidades governamentais com os problemas abordados, além de atestar sua incompetência.

Outra coisa é a real eficiência dessas campanhas, a longo prazo. Novas novelas virão, com outras temáticas. O que de fato muda na sociedade sobre a questão, quando esta já não está no ar? Huumm... Fica parecendo uma grande maquiagem, uma moda do bem, uma ilusão de solução. Trazemos para o real a ficção da novela. E a raiz dos problemas permanece.

Sem querer ser ranzinza, prefiro uma escola forte, professores de carne e osso e novela com cara de novela.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Nosso lugar no mundo


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 01/07/2011

Na gélida noite do último sábado de junho, os caxienses que foram ao Sesc ver o Concerto de Ispinho e Fulô saíram de coração fervente de emoção. O espetáculo do grupo paulista Cia do Tijolo, em turnê pelo sempre elogiável projeto Palco Giratório do Sesc, mais do que apresentar vida e obra do poeta cearense Patativa do Assaré e de contar a saga do místico Arraial do Caldeirão, promoveu uma degustação literal da essência do Brasil. Digo literal porque, em certa hora de festa, foram servidos à platéia cafezinho quente, cajuína e uma pinga mineira daquelas. Teatro de imersão, experiência de vida, coisa boa demais.

Cajuína? Muitos estranharam o nome do refrigerante de suco de caju tão popular no Nordeste. Mas se permitiram uma entrega àquela saborosa aventura algo circense, confiantes na trupe de atores, cantores e músicos sobre uma lona em que o mapa do Brasil tinha seu contorno.

A vivência em torno de Patativa do Assaré e seu mundo regional revelou-se um mergulho na alma universal do homem, a responder com arte aos desafios da realidade. Ainda que as cores, hábitos, falares e sons nordestinos tenham dado o tom da narrativa, o que cada espectador experimentou foi um contato prazeroso com sua própria alma, sua terra, seu eixo único, sem os quais o viver perde em sentido.

Essa crônica não é somente a confissão de uma profunda emoção sentida em tempos gelados. Tampouco quero suscitar a inveja em quem não foi ver a peça. Quero é pegar o mote do canto amoroso à própria origem para lançar a opinião, talvez fruto do meu olhar forasteiro, de que falta a Caxias do Sul uma abordagem mais gentil e afetiva para consigo mesma.

A regra é dizer que Caxias é fria, Caxias é difícil, Caxias é dose. Mesmo quando louvada, é por traços redutores como “lugar de trabalho e seriedade, terra de oportunidades”, alçados a aborrecidas e repetitivas elegias. Ora, convenhamos, uma cidade, um lugar de viver, é bem mais que isso.

Todo jardim tem flores e espinhos. Olhar apenas os espinhos ou apregoar a perícia dos jardineiros já é uma questão de opção.

Desperta para tuas flores, Caxias!

Aniversário do blog

Este blog completou ontem, dia 30 de junho, um ano de criação. Gracias, thanks, obrigado aos visitantes novos e de sempre; sem vocês o Terceira Casa não tem sentido, nem tem sentido o partilhar de impressões subjetivas e emoções que dá base ao blog. Para comemorar, posto abaixo o belo clipe da canção Eduardo e Mônica, da Legião Urbana, dirigido por Nando Olival para a Vivo, em comemoração ao Dia dos Namorados. Nando Olival é parceiro do Fernando Meirelles na direção do ótimo Domésticas, o Filme. O cara é muito bom. Curtam o vídeo. Eu curti muito.