Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Caçada
Nivaldo Pereira
(Crônica publicada no jornal Pioneiro, 09/07/2010)
Depois de longo tempo em frente ao computador, o cronista desiste: sua caça, a crônica, não quer morder a isca. Como presa viva, crônica é bicho esperto, tornado arisco pela experiência. De tanto cair nos laços conhecidos, ela aprendeu a roer a corda, a comer pelas beiradas, a pular fora do alçapão da memória do cronista. Resta ao caçador ir à luta, de rede em punho, pelas ruas da cidade, no faro da crônica em movimento. Aqui está ele, na calçada, com todas as armas e armadilhas, na arte do rastrear.
Pode ser que a crônica esteja ali, na entrada da galeria, por entre as muambas do vendedor de vídeos piratas, confiante, a danada, na cumplicidade malandra dos clandestinos. Ou adiante, detrás da velhinha que entrega folhetos aos passantes – velhinha atarantada, que gira, gira, querendo os que vêm e os que vão. Ou quiçá esteja acolá, na fachada do prédio antigo, oculta pelo desinteresse que as coisas de outrora despertam nos modernos. O cronista puxa da capanga um binóculo. Não, a caça tampouco está na nova parabólica no terraço do edifício.
Ah, a praça! A praça é campo perfeito para a crônica se esconder, entre tantos motivos, tantas sementes de assuntos que ali costumam germinar e florescer. Estaria nas asas do pombo pousado na cabeça de bronze do Duque? No vento musicando os altos galhos da araucária? No repique pontual do sino do campanário? Nos olhos enevoados do aposentado que espia o zunzunzum? Não. A presa que o caçador persegue hoje parece não ser da raça que se alimenta de lirismos banais. Vai que ela está no flerte da feia prostituta... No cheiro acre do banheiro público... No delírio destrutivo do jovem drogado...
O sol sobe, o cronista até pensa em desistir e contentar-se com o tema de mais uma farmácia na quadra. Mas a sanha de predador o domina. Ele mira, fareja, tateia, apura. Por aqui, por aqui. Um, dois, três, zás!: rede atirada, crônica fisgada. Irreverente, ela estava no oco de um manequim de loja, desses que são pernas sem corpo, e que fora abandonado ao lado de uma lixeira. Crônica na sacola, o caçador volta ao computador. Agora, basta escrever.
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ResponderExcluirQue bom que você criou este espaço... o blog sempre nos aproxima mais, nos faz saber o que o olhar do outro captou diferente do que a gente captou...
ResponderExcluirEstarei sempre aqui!