Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Crônica glútea


Nivaldo Pereira
Texto publicado no jornal Pioneiro de 16/07/2010.
Esta crônica é resultado da anterior: ela é a caça de Caçada.

Lá estava, ao lado duma lixeira da praça, o manequim de fibra, sem corpo acima do umbigo. Um ser feito somente de pernas, pélvis e bunda. Um buraco na coxa direita talvez explicasse o descarte daquele insólito objeto, que, por não caber na lixeira, fora deixado ao lado, de pé. Eu ri daquela curiosa composição estética. Marcel Duchamp gostaria disso, pensei. E segui pensando, não no francês que fez arte com objetos prontos, mas na coisa em si: um manequim para calças. Quando foi que notei pela primeira vez esse tipo de corte da forma humana?
Acho que foi ali pelo começo da década de 1990. Antes disso, em minha memória, manequins de vitrines não eram seccionados dessa forma, somente para expor popô. Aliás, aproveitando a sonoridade infame da expressão expor popô, o tal começo dos anos 1990 foi marcado pela explosão dos tchans e tchuns da axé music, com suas rimas sacanas e seus bumbuns rebolantes. A era das sheilas luxuriosas e suas garrafas. E das cachorras popozudas. Na linha evolutiva da espécie, foi um estágio intermediário entre as jurássicas Gretchen e Rita Cadilac e as clonadas mulheres-frutas atuais. Foi ali, acho eu, que as lojas populares puseram na calçada manequins femininos sem cabeça nem tronco, exibindo para a rua traseiros tornados perfeitos pelo tecido elástico da calça.
Sempre achei graça disso, sem moralismos. Não dizem que é a preferência nacional? Que tudo o que é bonito é para se mostrar? Então, qual o problema? Muitas vezes, no besteirol que costuma assolar minha mente, eu ficava imaginando uma feminista xiita fazendo um protesto pela volta das cabeças aos manequins-bumbuns, pois esses reduzem a mulher a quase nádegas. Ou imaginava um historiador explicando que essa fragmentação do corpo ocorre na esteira da dissolução do bloco socialista e do fim das ideologias. Ou um tarado simplesmente exclamando: oba!
Voltando ao manequim, meia hora depois ele já tinha sido levado da praça, não sei por quem. Um artista? Um anatomista? Um lojista? Um tarado? Só sei que a boneca sem cabeça me rendeu o tema dessa crônica algo glútea. Valeu, popozuda!

Um comentário:

  1. Nivaldo querido!!

    Legal sua crônica, principalmente por esconder em palavras e imagem o glúteo. O Manequim bem serve aos propósitos de Marcel Duchamp que foi responsável pelo conceito de ready made. Com certeza a parte do manequim que mais te chamou a atenção é uma das "paixão nacional" dos brasileiros rsrsrsr.

    Mas pensando na explicitez das palavras e dos conceitos aos moldes de Fernando Verissimo me lembrei, ao ler sua crônica, do seguinte verso:

    Quando ela passa, todo mundo espia
    não para a cara que não é formosa
    mas para a bunda,
    que bunda maravilhosa

    Ela tem uma bunda cor de rosa,
    daquela que desponta o dia
    e ela sabendo que tem bunda boa
    ginga, gira e rodopia
    eu lhe confesso nunca vi tanta magia

    Embora eu a contemple no meu silêncio profundo
    aquela cara não me diz nada
    mas aquela bunda me diz tudo.
    BEIJOS MEU QUERIDO!
    MADÁ

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