Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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redor, sobre tudo. É isso aqui.







sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um beijo do amor


Nivaldo Pereira

Crônica publicada no Pioneiro, 09/11/2011

Eu jantava num restaurante com um amigo, quando senti o toque macio em meu ombro. Antes que me virasse, recebi um beijo na face e ouvi uma voz infantil dizer “tchau”. Era uma menina loirinha, de uns cinco anos, com os traços da Síndrome de Down. Ela foi ao outro lado e repetiu a ação com meu amigo: um beijo, tchau. Fez o mesmo com mais umas três pessoas de outras mesas, enquanto a família a esperava, a caminho da saída. Dissemos tchau, acenamos, todos tocados e desconcertados com aquela súbita demonstração de um carinho tão inocente quanto incondicional.

Não houve tempo de perguntar-lhe o nome, a idade, comentar qualquer coisa. Apenas trocamos olhares cúmplices com a família da menina, um tanto de embaraço nosso, muito de simpatia deles, na mútua compreensão de quem sabe que o amor às vezes aparece assim, puro, generoso, incondicional.

Não havia na atitude deles o mínimo sinal de um talvez pedido de desculpas pelo provável incômodo. Nenhum meneio de cabeça reprovador a indicar obediência às convenções sociais que pressupõem limites definidos entre nosso espaço e o do outro. Aquela família já tinha sido tocada e transformada pelo amor irradiante da menina. Já era, também, toda amor. E foi com olhos afetivos e sorrisos que aquelas pessoas pareceram nos dizer: nosso anjo bom escolheu vocês para um beijo, uma bênção.

Eu e meu amigo não comentamos a chegada inesperada da garotinha. Seguimos o papo interrompido, mas impossível negar que algo de especial tinha acontecido. Pouco antes, tínhamos feito voltar a pizza, que viera além do ponto. Há que se estar atento aos próprios direitos. Há que se estar na defensiva. Sempre de armas em riste, couraças, armaduras. Aí, um beijo anônimo vem e nos desarma.

A nova pizza chegou, no ponto exigido, comemos em silêncio. E ficamos meio aéreos, dispersos, olhando as caras, as mesas cheias das ânsias da noite de sábado. Era até cedo, mas logo decidimos ir para nossas casas.

Eu só queria dormir, me entregar no colo da vida. Só queria sonhar na graça de um amor que, feito chuva repentina, inunda-nos de bondade e esperança no futuro.

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