Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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redor, sobre tudo. É isso aqui.







terça-feira, 15 de março de 2011

Nonna Alegria


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 11/03/2011

E Nonna Alegria não embarcou. Ficou lá, na amurada do porto de Gênova, o rosto em pranto, a abanar o lencinho branco para os seus. Apinhados no navio, rumo ao Brasil, os filhos e netos foram prudentes: de tão alquebrada pela dureza dos últimos tempos, a velhinha certamente morreria na longa travessia do mar. Melhor que ela ficasse. Eles só não imaginavam a falta que faria a sempre presente e serelepe Alegria.

Mais sóbrios, mais duros, mais sérios, vieram, fizeram e aconteceram em vales e encostas. Nos momentos raros de descanso e contemplação, tentavam reviver o legado da Nonna Alegria, e cantavam em coro, bebiam vinho, assavam aves e leitões, diziam chistes, celebravam como podiam. A chama familiar ainda lhes avivava o coração.

Mas a terra era outra, os tempos já eram outros, e a graça herdada, a graça da vida ensinada pela Nonna, essa também foi mudando de foco. Alguns, ainda mais sóbrios, muito mais duros e muito mais sérios, ditaram regras e gritaram interditos. E a necessária graça do viver passou a morar em cofres de bancos ou a se diluir em pequenezas como a lataria brilhante de um novo automóvel. Vieram tristes tempos, de levezas clandestinas e corações ressentidos.

O que ninguém sabia era das artes mágicas da Nonna Alegria. Pensam que a velha morreu? Qual nada! Bem depois, já na idade do encantamento, leve e criativa como ela só, fez um barquinho de papel e lançou-se ao mar. Guiada por golfinhos e sereias, chegou ao Brasil do Sul. Subiu lagoas, rios e arroios, virou pássaro e borboleta, procurou até achar o rastro dos seus. Já não eram os mesmos. Eram outros, de muitas feições, cores mil e desejos vários. Melhor ainda. Alegria é tanto mais forte quanto mais colorida e diversificada.

Então, Nonna Alegria, com seus feitiços de fada, soprou nos ventos um desejo de festa nas ruas, uma ânsia de união e paz. Foi um sopro milagroso. A tarde se fez pura brincadeira. Sorrisos de todas as idades provaram que a graça da vida pode residir na despretensão. Foi só uma sementinha da alma feliz da Nonna Alegria. Mas que ninguém duvide das artes e fantasias dessa velha.

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