Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
terça-feira, 29 de março de 2011
Contos astrais: O carneiro
Nivaldo Pereira
Publicado no Pioneiro, 2005
Amor à primeira vista. Outra vez. Como sempre, aliás. Acordara cedo, apesar da ressaca zunindo no fundo da cabeça. Era preciso encontrá-la de novo. Mais que preciso: urgente. Pisou mais fundo no acelerador, incentivado pela velha balada do Rei. Lamentou que ali não houvesse curvas nem estradas de Santos. Somente a suave planura da Rota do Sol, montes se desmanchando em campos verdes. Uma paz incoerente com um coração pegando fogo, louco de amor, louco de amor. Deixou-se levar mais uma vez pelas recordações da noite anterior. A festa, o calor, o trago. Até ela surgir no balcão. E o primeiro olhar. E pronto. Bastou. As palavras lhe saíram da boca num impulso.
“Lindo sinal, esse teu.”
“Não é sinal. É cicatriz. Queda de moto.”
“Alguém te derrubou?”
“Não. Eu mesma caí. Sete pontos na testa. Pelo menos não ficou saliente a marca.”
“Também já me acidentei feio. U.T.I. e tudo. Tive que prometer aos meus velhos que nunca mais andaria de moto. Mas adoro. Sinto falta do vento na cara.”
“Posso te dar uma carona qualquer dia. Mas só se eu pilotar.”
Ele escutara direito? Uau! Então ela também estava a fim! Agora, enquanto trocava o antigo disco do Rei pelo solo italiano de Renato Russo, leu na placa da estrada que São Francisco de Paula estava a quarenta quilômetros. Era hora de ligar para ela. Avisar que estava indo. Ficaria surpresa? Afinal, ele só dissera que telefonaria. Não. Depois dos beijos doidos, na fumaça da pista iluminada, ele já sabia ter encontrado a mulher da sua vida. Por isso prometera vê-la de qualquer jeito neste domingo mesmo. Ela riu da fissura dele. Deus, que sorriso lindo! Disse que morava numa chácara transformada em pousada, com os pais, a quem ajudava. Um lugar bonito, os turistas adoravam. Ora, ora, se ela não quisesse que fosse procurada, não teria falado nada. Renato Russo cantava Strani Amori. Ele conhecia vagamente o trecho onde devia ficar a pousada. Faltou saber o nome do lugar. Mas guardara o número do celular dela. Equilíbrio Distante, o disco que tocava. Agora ela era o equilíbrio dele. Vital. Visceral. Precisava dela. Para sempre.
Outras placas indicaram a proximidade da cidade. Ele já tinha repetido Strani Amori cinco vezes, sem entender o idioma, mas entendendo de um desejo cego que o guiara até ali. Pegou o celular no bolso da calça. E deu um soco no volante. Maldição! Droga! Cacete! O celular tinha se descarregado. Tentou ligá-lo. Nada. O número dela estava gravado ali. Por que não checara isso antes de sair? Onde haveria um carregador compatível? Sentiu uma fúria colossal, socos no teto do carro. Calma, rapaz, calma. Pense. Tem que haver um jeito. E se perguntasse por ela em alguma dessas pousadas perto da estrada, perto de onde pensava ficar a dela? Esse pessoal todo do ramo deve se conhecer. Pegou o primeiro acesso de chão batido que viu, à direita, de olho num casarão no alto de um coxilha. Mais adiante, uma cancela barrava o caminho. Ele desceu, abriu-a, seguiu com o carro. E percebeu ter entrado num pasto, porque a estradinha findava num capim macio. Droga! Desceu para respirar um pouco, olhar ao redor.
Nisso viu se aproximar um carneiro exótico, desses europeus, chifres retorcidos, testa pronunciada, altivo. O animal embalou em sua direção. Opa! Melhor entrar no carro. Esses bichos podem dar umas boas cabeçadas de defesa. Até riu um pouco, esperando o carneiro desistir da empreitada. Daí sentiu o carro sacolejar. Som de vidro quebrado. Cabeça dura de carneiro no farol esquerdo. Não é possível! Ninguém merece! Esse farol custa uma nota! Com esse azar todo, a polícia bem pode pará-lo na estrada, multa, outras incomodações...
O corpo tremendo de ira e frustração, a cabeça voltando a doer da ressaca, ele teve ganas de perseguir de carro o maldito carneiro pelo pasto. Mas preferiu ir à cidade. Umas voltas no Lago São Bernardo, um almoço bacana, uma taça de vinho, isso o acalmaria antes de retornar. Logo estacionou o possante vermelho ao lado da antiga gruta dos índios, à beira do lago. Sentou na grama e ficou atirando pedrinhas na água escura. Pensou nela, para afastar a raiva. Quando ouviu seu nome, em tom de dúvida. “Ariano?” Virou-se. Ela. Surpresa, susto na cara. E um brilho no olhar, entre as sobrancelhas juntas, que o deixaram louco de paixão. Correu para ela com tanto ímpeto que caíram ambos na grama. Ele, como sempre, exagerado feito Cazuza, querendo sorver de um único gole todo amor que houver nessa vida.
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Ah! Quem conhece um ariano
ResponderExcluirJamais o esquece...
Sorri com a mesma facilidade
Com que grita
É de uma inocência
Sem igual
Vive de alto astral
Sua ingenuidade encanta
E sua energia contagia
Adora fazer birra
Porque quando quer,
quer porque quer...
E às vezes quando conquista
Nem queria tanto assim...
Esses arianos adoram riscos
Lutam pelo que desejam
Mas não esperam ganhar um beijo
Rouba-os.
Saiba que ter um amigo ariano
É ter a certeza que se fores ao fim do mundo
Ele estará sempre com você.
Beijão Nivaldo.
Madá