Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Letras roubadas
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 07/10/2011
Na cama, enquanto repartia o tempo antes de dormir entre três livros, devorando um pouco de cada, constatei que sou um milionário no quesito direito à leitura. Cheguei a isso evocando um antigo dito da minha mãe: “Nasci nua e estou vestida”. Ela dizia assim quando precisava reafirmar que já era vitoriosa, mesmo que a vida seguisse exigindo coisas e coisas. Pois na lição da mãe, embora eu tenha tantos quereres, sou realizado porque posso ler os livros que anseio, se for lembrar um tempo em que ler era um desejo difícil de ser saciado.
Não havia livros em casa na minha fase mais ávida de leitura, a adolescência. Muitos irmãos, muitos gastos, não havia dinheiro para livros que não fossem os didáticos obrigatórios da escola. Era quando eu olhava com inveja as estantes cheias nas casas de colegas. Lia o que podia pedir emprestado, e só. Mas era pouco, muito pouco para minha fome de letras e mundos imaginados. Foi quando caí na clandestinidade. Passei a roubar leituras.
Com certa regularidade, ao voltar da escola, entrava na maior livraria do bairro, pegava na prateleira o livro desejado e desatava a lê-lo, ali mesmo, em pé. Cuidava de fechar o volume e devolvê-lo ao lugar quando algum funcionário se aproximava, num disfarce fajuto de quem estava a procurar algum livro para comprar. Li assim uns dois títulos da coleção de Monteiro Lobato, capítulos a prestação, um olho na página, outro na gente da loja.
A farra acabou quando certa tarde o dono da livraria me desmascarou. Disse, com tom autoritário: “Você está sempre por aqui, lendo tudo e não comprando nada. Se não for pra comprar, não apareça nunca mais.” Pedi desculpas, saí da loja humilhadíssimo.
Essa vergonha, contudo, não durou muito, pois o vício da leitura me levou a repetir o crime em outra livraria. Vício faz isso, faz a gente burlar a lei. Pena que a outra livrara fosse pobre em literatura...
Naquele tempo, meu maior sonho era poder ler tudo o que quisesse. Tantos anos depois, com estantes abarrotadas e criado-mudo com livros empilhados, agradeço aos céus pela graça alcançada. Sou ou não sou um cara rico?
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