Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
domingo, 23 de outubro de 2011
Malícia Popular Brasileira
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 21/10/2011
Chorei de rir com o vídeo Gaiola das Cabeçudas, do humorista Marcelo Adnet, no youtube. Travestido de popozuda, Adnet manda ver um funk carioca, no ritmo e na coreografia, com o elemento inesperado que produz o humor: a letra cheia de referências “cabeças”, de Beethoven a Jung, de Foucault a Kant. Alta cultura onde se esperava pornografia: na há como não rir. Evoco esse vídeo para refletir sobre a queixa geral acerca do baixo nível da cultura de massa, em que o funk carioca, com seu erotismo explícito, é o demônio da vez. Tempos atrás, a música popular não era tão sacana. Ou era?
No delicioso livro História Sexual da MPB, o carioca Rodrigo Faour mostra que a tal baixaria não é marca dos tempos modernos, mas sim um traço cultural do brasileiro. Nosso povo se gaba de sua sensualidade tropical e de sua imensa libido. Também se reconhece na manha com que burla leis e não leva nada muito a sério. “A nossa música também reflete essa nossa ‘indisciplina’ em relação ao padrão moral de comportamento reinante em cada tempo de nossa história”, escreve Faour.
Ou seja, uma ala mais divertida e malandra da MPB, que brincava com os duplos sentidos às raias da pornografia, sempre conviveu com uma produção tida como séria e de bom gosto. Lógico que, em tempos de liberação sexual, como agora, as canções e danças vão ilustrar também esse estágio. Enfim, nada de novo sob o sol do Brasil, nem mesmo a grita dos mais recatados.
Faour prova sua tese citando canções antigas, e de sucesso, do começo do século XX, como A Boceta de Rapé (1907), A Pombinha da Lulu (1912) e Vai Entrando (1903), entre tantas. A malícia se espraia ainda mais com as marchinhas carnavalescas, vide trechos como “Esse ano eu sair de diabo / Só falta o rabo! Só falta o rabo!” e “É dos carecas que elas gostam mais”. A sem-vergonhice segue sempre, até Genival Lacerda ficar de olho na butique dela e inaugurar um gênero.
Não tem jeito. Barroco que sou, depois de ouvir uma ária de Bach, chego a precisar da voz da Clemilda mandando o delegado prender o Tadeu. Quem mandou nascer brasileiro e se orgulhar disso?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário