Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Matas dos encantos
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 11/02/2011
Antes de o Censo mostrar que 80% dos brasileiros vivem em cidades, as florestas, ainda fartas, eram a morada dos mistérios. De origem rural, lembro-me de olhar, com olhos meninos, da porta de casa, um verde sem fim a se perder nas montanhas do outro lado do Rio Paraguaçu. As matas. Eu chamava assim, “as matas”, aquele mundo tão perigoso quanto fascinante. Lá era o cenário das histórias que eu ouvia dos adultos, crente na veracidade de cada detalhe, já que os adultos sabiam das coisas.
Meu pai contava casos fantásticos da Mata do Brioso, distante e fechada, cujo nome já me metia medo. No Brioso, lugar de sombras, fantasmas castigavam quem se atrevesse a atravessá-lo à meia-noite em ponto. Eu ia dormir assombrado com o mote dessas almas penadas, que repetiam: “ou bem cedo ou bem tarde”.
Também me compadecia com a tristeza trágica da mãe-da-lua, ave lendária das matas. E vinha a história de uma linda moça encantada, noiva de um tal Furtuoso. Certa feita, o homem foi numa venda e envolveu-se numa briga de faca. Caiu morto Furtuoso, nunca voltou para sua amada. Ela, desde então, virada em pássaro noturno, pousa nos troncos secos e, de pescoço para o céu, solta seu lamento eterno: “Furtuoso foi, foi, foi, foi...” Virou a mãe-da-lua.
Mas medo mesmo eu tinha de outra ave das matas, a agourenta rasga-mortalha. Diziam-me que esta soltava um canto que imitava perfeitamente um tecido sendo rasgado. Quem ouvisse esse grasnar, estaria condenado a ter uma morte na família muito em breve. E eu rezava para que Deus me livrasse de ouvir a rasga-mortalha.
Entre o desejo da aventura e o pânico, imaginava um encontro com a temível Caipora, bruxa com somente um lado do corpo e que andava montada numa porca, fumando cachimbo. Ai de quem entrasse na mata sem levar fumo para a Caipora...
Pois bem, já não há matas no lugar onde nasci. Já quase não há matas no Brasil. Sem teto nem esconderijo, as criaturas do medo hoje rondam ruas e avenidas. Invadem casas, roubam carros. Passaram a habitar os grotões da mente dos homens. E morro de saudades de temer o lobisomem, nas matas, lá longe.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário