Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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domingo, 17 de abril de 2011

Tacapes de aço


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 15/04/2011

Uma recente cena urbana me deixou triste demais. Foi na Rua Sinimbu, coração de Caxias do Sul, como a sinalizar que o problema é grave e profundo. Um táxi dava fechadas sucessivas em outro carro, que se adiantava e rebatia a agressão motorizada, até se emparelharem e os motoristas trocarem insultos bárbaros, de punhos em riste.

Com minha desolada imaginação, enxerguei ali dois primatas, entre o estágio dos símios e dos hominídeos, urrando e brandindo tacapes, numa savana ancestral em que a morte de um deles seria certa. Os automóveis negavam os milênios de evolução da espécie, reduzidos que estavam à condição de armas. Uma onda de tensão se espalhou na rua. Eu fiquei triste demais.

Triste porque isso é banal, é quase regra no trânsito de uma cidade que precisa assumir-se como metrópole, mas sem saber como. Triste porque, mesmo forasteiro, já vivi tempo demais em Caxias para afirmar que o trânsito é a sua face mais horrível e que nessa arena diária os valores humanos são atropelados sem piedade.

Já sou nostálgico de uma Caxias perdida, de um passado tempo de mais delicadeza e vagar. Já tenho medo dessa selva lá de fora, daí vou me protegendo em minha gruta, regredindo também, refém do ritmo ditado pelos trogloditas motorizados. Podem ser poucos, eles, mas são como células cancerosas: logo o tecido inteiro está doente. Vejo isso direto, nos quarteirões centrais em que farmácias novas surgem a toda hora. É, parece que esta cidade nunca esteve tão doente.

Um dia após a triste cena descrita, viajei a trabalho para cidades como Bagé, Piratini e Pelotas. Foi um bálsamo, não apenas no ritmo mais lento de trânsito e de vida, mas no resgate de uma delicadeza que pensei perdida para sempre. Em cada detalhe, em cada serviço, percebi educação, gentileza, cordialidade. Pois uma cidade é feita de gente, não de máquinas e armas.

Não podemos frear o crescimento de Caxias, mas podemos cuidar, cada um, de não sepultar o que nos torna humanos. É desafio de cada caxiense lutar pela cura de uma cidade nascida para ser um gentil e ordeiro paraíso da Cocanha, e não o inferno de Dante.

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