Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







domingo, 15 de maio de 2011

Desce?


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 03/09/2005

A porta já ia se fechando quando entra uma mulher com um menino de uns quatro anos. Desce? Digo que sim. O guri se apressa em ficar na ponta dos pés para tocar o botão que sinaliza o térreo, mas a mãe o impede: “não, o tio já apertou”. Ele quer mesmo assim, ela não deixa, e o pestinha me olha com raiva, como fosse eu o culpado de ter tirado dele o gostinho de manipular os comandos dessa máquina de subir e descer com gente dentro. Num andar abaixo, um homem entra, pergunta se desce e, ignorando a nossa afirmativa, encosta o dedão com tudo na tecla P. O menino se revolta e grita: “eu também quero, também quero”. E o jeito foi deixar ele pôr o dedinho no P.

Dei toda razão ao guri. Os grandões adultos ignoram os semelhantes, e ele é que tem que respeitar? A birra do moleque foi a minha própria birra reprimida diante dessa ocorrência comum nos edifícios. Eu sempre sinto uma raiva infantil quando me perguntam se o elevador desce, eu afirmo, mas a criatura mesmo assim aperta o P. Se não confia em mim, então por que perguntou, diabo? Só para me desmoralizar? Isso acontece sempre, e eu juro que da próxima não responderei nada ou então que vou ficar com a mãozona em cima dos botões, para evitar que os desconfiados teclem no P que eu já apertei. O risco é acharem que sou um ascensorista...

Elevadores são como caixinhas de ressonância do comportamento, laboratórios perfeitos para observações curiosas das relações humanas. Se eu fosse fazer um verbete de dicionário para esse substantivo, escreveria assim: caixa retangular empregada para ascender e descender de edificações e dentro da qual os usuários experimentam diversos níveis de emoções por compartilhar tão diminuto espaço com os semelhantes. Já prestou atenção, por exemplo, como as pessoas se desconcertam sem saberem para onde olhar? O espaço é muito pequeno, e há uma regra silenciosa que diz que é feio ficar encarando os outros, ainda mais gente que você não conhece. O jeito é esticar o pescoço e mirar o teto do elevador, mesmo sabendo que não há nada de interessante lá para ser conferido. Você fica com cara de idiota, tenso, encostado na parede, como se estivesse à espera da agulha de uma injeção.

Mas se interessante mesmo for a pessoa do lado, aí o olhar vai dar voltas enganosas no exíguo cubículo, disfarçando até poder dar uma espiada de efeito no que se quer avaliar. Quando o elevador tem espelho, chega a ser engraçado. Os vaidosos declarados já entram e vão direto arrumar o cabelo ou, no caso das mulheres, conferir se tem batom nos dentes. Já os enrustidos fingem que nem enxergaram o espelho, mas pode apostar que eles darão em jeitinho de terem um vislumbre rápido da própria fachada, apelando para aquela olhada para cima e, depois, sem querer querendo, lançar um diretaço no espelho.

Outra questão séria da convivência nesses espaços vem do olfato. Nem vou explorar muito o extremo do terrorismo com arma química que é um sujeito aproveitar a viagem para regular a pressão gasosa do corpo. Já me aconteceu de entrar no elevador vazio e encontrar a essência fétida lá, deixada por outro, aí entra alguém depois e me olha com asco, como se o culpado fosse eu. E há também os perfumes fortes. Que igualmente ficam lá, impregnados, marcando a presença de quem já saiu. E há ainda aqueles que aproveitam as horas de pouco movimento, geralmente de noite, para descer ou subir fumando no elevador. Uma gentalha sem compostura!

Aliás, quando a questão é terrorismo, o elevador é o lugar perfeito. Os ataques vão desde aquela apertada em todos os botões ao sair (ato somente aceitável entre menores de cinco anos) até segurar a porta no andar, esperando alguém e atrasando o fluxo da máquina. Pelo menos tem as conversas que a gente escuta – cada história insólita!, cada fofoca! – e a diversão de espiar a cara constrangida de quem não vê a hora de sair dali por não suportar conviver num espaço tão pequeno. E quando falta energia e ele pára? Vou preferir não entrar nesse tema, para não atraí-lo. Afinal, sou usuário...

Um comentário:

  1. Nivaldo, esses dia s peguei um elevador com cheiro de esgoto! TRISTE!

    E A primeira coisa que eu pensei foi: Só pq não fui eu vai entrar alguém. Mas felizmente, ou infelizmente, aguentei aquele cheiro de bunda mal lavada sozinho.

    Fora isso, hahahaha. adoro a espontaneidade das crianças.

    Olha, li seu artigo sobre o Chico Buarque e o F. Pessoa. Achei sensacional. Inclusive irei me basear nos eu artigo para quando o Chico for o geminiano da sessão 'famosos e geminianos'.
    Óbviamente darei os devidos créditos!

    Grande abraço!

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