Vai aqui mais um quadro Astrolábio, agora focando a cidade de Caxias do Sul em seu aniversário. Este quadro vai ao ar semanalmente, às quartas-feiras, cada dia com um tema diferente, dentro do programa Estúdio Aberto, da UCS TV.
Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
domingo, 26 de junho de 2011
Reflexões no táxi
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 24/06/2011
O falante motorista do táxi me conta que odeia o inverno. Ainda é novo, tem menos de 30, mas já tem um projeto definido: trabalhar bastante, fazer um pé de meia e ir morar no litoral. Talvez no Espírito Santo. Beira de praia, calorzinho o ano todo. Diz que pratica jiu-jítsu, sofre horrores no frio. Mas não reclama: sua espera é questão de tempo. Só não entende como as pessoas vivem se queixando do clima, mas não se mudam, não fazem planos para isso. Quase todo passageiro que entra em seu táxi já chega metendo o pau no inverno, na cidade, na vida. Cara, por que não vão embora? O clima não vai mudar por causa deles...
Gosto da reflexão sensata do motorista. Dou corda. Ele segue o baile. Inverno é dose, ninguém merece. Mas, os incomodados que se mudem, não? Ele vai mudar, um dia, vai sim. Não entra nessa onda de gaúcho de achar que essa terra é a melhor do mundo. É um lugar como outro qualquer. Só não quer sair de qualquer jeito. Tem que ser por cima. É nesse ponto, diz, que sente o orgulho gaúcho, de ser um vencedor. Não vai ser como um amigo, que tentou convencê-lo a ir morar em Londres a pretexto de ampliar horizontes, mas vivendo sem um teto, sem emprego legal. Cara, ele já está lá faz quatro anos, morando aqui e ali, dividindo quarto com uma penca de gente, sem privacidade. Isso é vida, cara?
Chego ao meu destino, desço do táxi, mas fico com as questões levantadas pelo simpático motorista. Será que nossos triviais queixumes, como aqueles contra o frio, não seriam feito muletas? Sem elas, teríamos que levantar e andar, tomar providências para melhorar de vida. Na falta de metas e planos, nos queixamos das miudezas, da natureza, de tudo. Ah, não fosse esse clima horroroso... Arqueiros sem alvo, disparamos nossas setas de ressentimento contra tudo. Ou idealizamos a salvação num mundo distante, sem ver que este sempre será um mundo alheio.
Há pouco, um problema me inquietava. Desfiei queixumes silenciosos, aí me lembrei da filosofia do taxista. Estabeleci metas, limites. Até ali, e nada mais. Fiquei na boa. O negócio funciona.
E que seja bem-vindo o inverno.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Procissão
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 17/06/2011
Olha lá, vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão. As pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas lá do céu. Acreditam piamente em Santo Antônio, o homenageado deste chuvoso 13 de junho.
São centenas, talvez milhares, de devotos do santo, cuja imagem, entre flores, vai num andor sobre um automóvel. Desde a saída do cortejo, às seis em ponto da tarde, de defronte à igreja do santo, no bairro de mesmo nome, centro antigo de Salvador, uma banda musical de sopros e bumbos dá o tom das rezas.
Se milagres desejais, recorrei a Santo Antônio. Rogai por nós, ó Antônio, lá no céu. Bem merecestes ter, com amor, em vossos braços, o Salvador.
E segue a cobra humana pelas ladeiras do vizinho bairro do Barbalho. Castiçais feitos de garrafas plásticas protegem as velas acesas do vento. Velhinhas seguram terços. Outras levam imagens do santo. Tem quem leve flores. Tem quem leve, pela mão, o filho que recebeu graças. Tem quem leve, pelo braço, o amor conquistado. E tem gente de mão vazias, a pedir, pedir.
Nas sacadas dos sobrados da velha São Salvador, moradores estendem toalhas de renda branca, sobre as quais outras imagens antoninas saúdam os passantes. Alguns atiram pétalas de rosas, outros aplaudem ou acenam. E, de repente, chove.
Abrem-se guarda-chuvas e sombrinhas, tingindo-se a procissão de lindo efeito estético. Desprevenido, eu me ensopo no aguaceiro. Covardia correr, desistir. Baianos gostam de banhos cheirosos, de ervas e flores. E quem haveria de dizer que tal chuva não vinha abençoada?
Súbito, a rua se estreita. Poças de lama por entre o calçamento quebrado. A realidade se impõe. Ao meu lado, alguém reclama: “Este Barbalho está entregue às baratas”. Mas os cânticos não cessam. Agora a banda puxa temas antoninos da canção popular. Uma levada animada, quase carnavalesca. É impressão minha ou o padre está dançando?
Eu revejo lugares por onde muito andei e por onde há muito não passava. Casas típicas, ruas seculares, caras felizes de gente que crê na vida.
E, na procissão, reaprendo a lição baiana: vamos andar com fé, que a fé não costuma “faiá”.
Geminianos
Antes que o signo de Hermes, o deus de asas nos pés, passe voando, insiro aqui um vídeo sobre o tema. É o quadro Astrolábio, do qual eu participo, na UCS TV, sob a condução da Vivi Salvador. O quadro vai ao ar todas as quartas-feiras, no programa Estúdio Aberto, às 19h. Adiante, postarei outros vídeos.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
A vida nas estantes
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no jornal Pioneiro, 10.06.2011
Imagine o retorno à cidade grande de uma pessoa que tenha estado reclusa nalgum mosteiro do Nepal por 30 anos, sem acesso a informações de massa. De volta ao Brasil, enquanto espera por aviões ou ônibus, essa pessoa examina os títulos dos livros à venda em aeroportos e rodoviárias. Quer saber o que o povo anda lendo, quer tecer um panorama dos valores atuais. Imagine que tal pessoa é você. Dirija-se, então, ao maior balcão de títulos publicados.
Manuseando o livro Como Chegar ao Topo, sua primeira impressão será a de que as ambições de sucesso seguem dando o tom do mundo. No próximo a ser folheado, Você É Feliz no Trabalho?, a ambição primeira parece buscar parceria com a felicidade, numa realização plena. Aí você olha o Viver sem Estresse – e talvez alguém tenha que lhe explicar o que é estresse, coisa de que ninguém falava há 30 anos. E você localiza na pilha Não Leve a Vida Tão a Sério, O Poder da Paciência, O Poder do Agora, Pare de Reclamar e Concentre-se nas Coisas Boas e Aprenda a Viver em Paz. Você questiona: estaria a humanidade atormentada com as seqüelas do consumismo e da busca do sucesso? Ou estaria fazendo da paz mais um item de consumo obrigatório?
Então seu olhar se detém sobre títulos que pregam o autoconhecimento: Aprendendo a Gostar de Si Mesmo, A Aventura de Viver Seus Sonhos e Faça as Escolhas Certas. Oh, isso é bom, é bom sinal de sintonia com a própria verdade. Mas, ao espiar outros títulos, você já acha que todo mundo quer mesmo é conhecer o outro para fins de dominação. Ou seja, o sucesso no amor é outra obrigação. Estão lá: Do que os Homens Gostam, Será que a Gente Combina?, Deixe os Homens a Seus Pés, O Segredo das Mulheres Inteligentes, Por que os Homens Amam as Mulheres Poderosas?, Desvendando os Segredos da Atração Sexual, Por que os Homens Mentem e as Mulheres Choram?
Você está em confusão. No quesito amor, o mundo ficou mais informado e mais ignorante! Você examina mais dois: Como Encontrar um Marido Depois dos 35 e Troco o Príncipe Encantado pelo Lobo Mau.
E você tem a certeza de que vai precisar de mais 30 anos no Nepal...
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Meu caro ciberpirata
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 03.06.2011
Não lhe chamarei de hacker, pois descobri que esse termo nomeia os técnicos que alteram os computadores visando melhorias. O nome certo para você, que quer entrar nos sistemas alheios com fins maldosos, seria cracker, mas eu prefiro usar ciberpirata mesmo. Pirata cibernético, ladrão de dados, espalhador de vírus, você vive de invasões, saques e destruições. Você é um ser do meu tempo, que eu só conheço pelas sucessivas abordagens. Hoje eu quero lhe dar uns toques.
Faço isso somente por admirar sua inteligência. Aliás, admiro todo mundo que tenha um talento que eu não possua, como o seu, de navegar com desenvoltura nas turvas águas do infomar. Sou jurássico, nasci a.C. (antes do Computador), e pirata para mim era o Capitão Gancho ou o Barba Negra. Quando guri, até me imaginei andando na prancha com uma espada às minhas costas, mas jamais acreditei ser atacado de verdade por piratas. Meu lado criança até acha isso uma honra. Mas, basta de confidências, e vamos aos toques prometidos.
Cara, já chega dessas abordagens com links venenosos anunciando uma foto comprometedora. O truque ficou manjado, todo mundo deleta sem abrir. No meu caso, o pior – e isso depõe contra sua suposta inteligência – é o texto sofrível. Você acha que todo mundo fala em internetês, com aquelas abreviaturas medonhas? E a risadinha kkkkkkk? Mude de tática urgente, seja um pirata de respeito. Aprender português ajuda muito.
Outro truque barato é o e-mail do banco pedindo confirmação de dados. Você nunca acertou o banco em que tenho conta! Claro que, em milhares de mensagens enviadas, algum incauto vai cair na boca de seus tubarões. Só que essa estratégia burrinha denigre a categoria dos piratas. Lembre-se que Jack Sparrow, pirata do seu tempo, pode ser covarde, mas não é burro.
Amigo piratinha, o meu último toque: digite “ética” no Google, tente entender do que se trata. Depois, use sua inteligência para rastrear o tesouro perdido do Barba Negra. A recompensa virá em fama e fortuna. Bem melhor que celebrar em silêncio pelos computadores que foram para o conserto por sua causa, não acha?
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Lirismo em vermelho
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 27/05/2011
Uma obra lírica e sofrida sobre o universo da infância. Vermelho Amargo chama-se o livro do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, que devorei com imenso prazer. Já tinha ouvido falar do escritor, estava em minha lista de buscas, até que vi este novo lançamento seu numa livraria e comprei no ato. Li de uma sentada, ou melhor, de uma deitada, estirado na cama. Uma feliz experiência, que quero compartilhar aqui.
Numa prosa poética emocionante, um narrador menino tece seu fluxo de memórias. Um tomate é a metáfora que liga os fragmentos de lembranças da família. É o tomate que a madrasta fatia finamente a cada refeição, para adornar a comida sua, do marido e dos enteados. “Afiando a faca no cimento frio da pia, ela cortava o tomate vermelho sanguíneo, maduro, como se degolasse cada um de nós.”
A emoção tingida pela perda da mãe pontua a narração do menino. “A mãe partiu cedo – manhã seca e fria de maio – sem levar o amor que diziam eu ter por ela. Daí, veio me sobrar amor e sem ter a quem amar. Nas manhãs de maio o ar é frio e seco, assim como retruca o coração nos abandonos.”
Num relato curto, de cunho autobiográfico, e sempre rico em imagens poéticas, Queirós nos prende definitivamente em sua rede literária, beirando o tom dos contos de fadas. Sentimentos são transfigurados em rituais domésticos, da raiva presa ao tomate a outras expressões, mais doces, ligadas à mãe. “Quando se ama, em cada dia o morto nasce mais. Em tudo, sua ausência estava presente. Sobre a fruteira da mesa da sala de jantar, na janela em que se debruçava nas tardes, na gota de água que pingava da torneira, no anil que clareava os lençóis, ela se anunciava.”
O olhar mágico e terno sobre os irmãos é outro belo ponto do livro. Há a irmã que mia no lugar do gato mudo, a outra que vive a bordar pontos de cruz, o irmão que mastiga vidro, o outro que partiu sem avisar – “Como pássaro, voou sem desnorteio, sem deixar rastro.” – e a irmã mais nova, criada sem ter conhecido a mãe: “Crescia sem raízes. Desprendia-se fácil do chão.”
Bartolomeu Campos de Queirós. Ainda quero dar um abraço neste homem.
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