Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







quarta-feira, 1 de junho de 2011

Lirismo em vermelho


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 27/05/2011

Uma obra lírica e sofrida sobre o universo da infância. Vermelho Amargo chama-se o livro do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, que devorei com imenso prazer. Já tinha ouvido falar do escritor, estava em minha lista de buscas, até que vi este novo lançamento seu numa livraria e comprei no ato. Li de uma sentada, ou melhor, de uma deitada, estirado na cama. Uma feliz experiência, que quero compartilhar aqui.

Numa prosa poética emocionante, um narrador menino tece seu fluxo de memórias. Um tomate é a metáfora que liga os fragmentos de lembranças da família. É o tomate que a madrasta fatia finamente a cada refeição, para adornar a comida sua, do marido e dos enteados. “Afiando a faca no cimento frio da pia, ela cortava o tomate vermelho sanguíneo, maduro, como se degolasse cada um de nós.”

A emoção tingida pela perda da mãe pontua a narração do menino. “A mãe partiu cedo – manhã seca e fria de maio – sem levar o amor que diziam eu ter por ela. Daí, veio me sobrar amor e sem ter a quem amar. Nas manhãs de maio o ar é frio e seco, assim como retruca o coração nos abandonos.”

Num relato curto, de cunho autobiográfico, e sempre rico em imagens poéticas, Queirós nos prende definitivamente em sua rede literária, beirando o tom dos contos de fadas. Sentimentos são transfigurados em rituais domésticos, da raiva presa ao tomate a outras expressões, mais doces, ligadas à mãe. “Quando se ama, em cada dia o morto nasce mais. Em tudo, sua ausência estava presente. Sobre a fruteira da mesa da sala de jantar, na janela em que se debruçava nas tardes, na gota de água que pingava da torneira, no anil que clareava os lençóis, ela se anunciava.”

O olhar mágico e terno sobre os irmãos é outro belo ponto do livro. Há a irmã que mia no lugar do gato mudo, a outra que vive a bordar pontos de cruz, o irmão que mastiga vidro, o outro que partiu sem avisar – “Como pássaro, voou sem desnorteio, sem deixar rastro.” – e a irmã mais nova, criada sem ter conhecido a mãe: “Crescia sem raízes. Desprendia-se fácil do chão.”

Bartolomeu Campos de Queirós. Ainda quero dar um abraço neste homem.

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