Terceira Casa?

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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Caminhos de um mito


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 10/12/2010

Baita surpresa! Um livro recém-lido mostrou-me conexão entre uma brincadeira da minha infância e o imaginário dos italianos que povoaram Caxias do Sul. Não sei se a tradição ainda é forte, mas, na festas populares do interior da Bahia, sempre tinha o pau-de-sebo. Um vigoroso mastro era untado de cima a baixo com sebo de boi ou graxa; no topo eram dependuradas cédulas, garrafas de cachaça e caixinhas com doces, e enfim o mastro escorregadio era enterrado no chão, para que a molecada se atrevesse a buscar os prêmios lá no alto.

A hora do pau-de-sebo era uma farra coletiva. Os atrevidos tiravam a camisa e tentavam subir no mastro, feito macacos. Nada. Desciam deslizando de barriga e com a pele literalmente sebenta, para algazarra geral. Até que, depois de tantas tentativas, o sebo ia sumindo e um felizardo garantia a grana, repartindo a cachaça e os doces com os demais. Não, eu nunca tentei subir: para mim, não há dinheiro que compense a nojenta sensação de corpo grudento...

Ao ler Herois e Maravilhas da Idade Média, do historiador francês Jacques Le Goff, descobri que o pau-de-sebo tem relação com o mito da Cocanha. Isso mesmo, o mito do país encantado em que corre um rio de vinho e gansos gordos são assados sozinhos nas ruas, entre iguarias sem fim caídas do céu, além de uma fonte da juventude. É o mesmo mito, presente no imaginário europeu desde o período medieval, que fez aumentar a sedução da América como lugar de fartura e felicidade junto aos italianos que chegaram ao Brasil a partir de 1875.

Le Goff situa a gênese do mito num manuscrito anônimo de 1250. Sua permanência no imaginário medieval deveu-se também à literatura. “O país de Cocanha teve a sorte de ser retomado por Bocaccio no Decamerão”, afirma o historiador. A partir do século XVIII, essa utopia virou brincadeira de criança “nas comunidades rurais e camponesas, dando nome a um elemento de festa popular, o mastro de cocanha.” Descrição semelhante à do pau-de-sebo aparece numa crônica parisiense de 1425, falando do “mastro de cocanha”.

Que beleza: mitos correm mundos no imaginário dos homens!

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