Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Desarvorados


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no jornal Pioneiro, 07/01/2011

O vivente está vendo aquele jerivá, lá embaixo, no vale? Não? E o pinheiro nativo na beira do arroio? Também não? Não vê o jacarandá florido em roxo na encosta? Nem o bosquezinho, feito ramalhete, composto pela quaresmeira, pela paineira e pela corticeira do banhado? Não vê nem o ipê amarelo na exibição gratuita de sua formosura? Pois me perdoe a sinceridade: o arvorado vivente anda desarvorado.

Arvorar. Quisera esse verbo bonito tivesse apenas o sentido imediato de plantar árvores, arborizar. Mas o vivente homem prefere se arvorar em ser a cria maior da natureza. Arvora-se em estar acima de tudo, qual divindade. Pensa-se esperto, germinando tolices.

Germinar. Quem dera a brotação milagrosa de cada semente na terra inspirasse o vivente no deixar fluir em equilíbrio a totalidade da vida. Qual nada! Somente o que nele germina são ganância e arrogância. Chão fértil é, esse vivente, para as voragens de seu baixo instinto, raízes do egoísmo.

Enraizar. Ah, pudesse ele imitar as plantas e buscar no fundo da terra a razão de seu crescer, num partilhar da mesma seiva com todos os seres. Mas não, o que enraíza no vivente homem é o desejo de posse, a terra cercada em farpas, o muro, eletrificada folhagem.

Folhar. E cobre-se o vivente com as folhas de sua ambição desmedida. Ao semelhante, fornece não a sombra boa, refrigério amigo contra o calor, mas sim a sombra do poder, a sombra burra de um respeito vertido em quantidade de bens, flores sem alma.

Florescer. E anseia esse bicho pensante por ver realizados todos os seus desejos mesquinhos. O mundo seria perfeito se fossem todos iguais a ele. E o que devia ser beleza, cor da criação, promessa de vida, flor do ser, vira simulacro, embuste, ilusão. E surge da flor da compulsão o fruto do vazio.

Frutificar. O que esperar de quem desde a semente se desvirtuou do natural? Que sabor tem a obra de quem se arvorou em ser superior? Quem morde essa maçã envenenada? Quem come desse pomar de tolos?

Felizes são as árvores, porque não pensam. Feliz o vivente que ainda pode ver em cada árvore uma irmã. Feliz de quem ainda não se desarvorou.

Um comentário:

  1. Nivaldo!

    Há quanto tempo não passo por aqui! Ou, antes, não comento algo... Mas leio, fielmente, tuas crônicas todas as semanas.

    Essa realmente está excelente (como todas, aliás). O ser humano e sua incrível mania de destruir o meio ambiente, seu habitat. E ainda ousa dar usos um tanto quanto egocêntricos às vezes para os verbos que tu tão bem destacou...

    Belíssimo texto!

    E que 2011 seja cheio de inspiração pra ti!

    Beijo

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