Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Um capricorniano


O signo do realismo e das montanhas escarpadas tem uma expressão maravilhosa na poesia do parnambucano João Cabral de Melo Neto. Capricorniano nascido em Recife, a 9 de janeiro de 1920, este João, que não gostava de música e tinha horror a lirismo, produziu uma obra poética de absoluto rigor estético, cerebral e nada sentimental. A poesia de João vem do concreto, do espaço e do tempo, da aridez da terra. Poesia de Saturno, signo da cabra. Vejam trechos do seu célebre Poema(s) da Cabra. No osso, no esqueleto, sem recheio, e, por isso mesmo, puramente essencial.

5

A cabra é o melhor instrumento
de verrumar a terra magra.
Por dentro da serra e da seca
não chega onde chega a cabra.

Se a serra é terra, a cabra é pedra.
Se a serra é pedra, é pedernal.
Sua boca é sempre mais dura
que a serra, não importa qual.

A cabra tem o dente frio,
a insolência do que mastiga.
Por isso o homem vive da cabra
mas sempre a vê como inimiga.

Por isso quem vive da cabra
e não é capaz do seu braço
desconfia sempre da cabra:
diz que tem parte com o Diabo.

7

A vida da cabra não deixa
lazer para ser fina ou lírica
(tal o urubu, que em doces linhas
voa à procura da carniça).

Vive a cabra contra a pendente,
sem os êxtases das decidas.
Viver para a cabra não é
re-ruminar-se introspectiva.

É, literalmente, cavar
a vida sob a superfície,
que a cabra, proibida de folhas,
tem de desentranhar raízes.

Eis porque é a cabra grosseira,
de mãos ásperas, realista.
Eis porque, mesmo ruminando,
não é jamais contemplativa.

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