Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







sábado, 31 de julho de 2010

Se


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 30/04/2005)

Sempre gostei de palavras. É um gostar muito grande e intenso, tanto que estou aqui, fazendo delas o meu instrumento de trabalho. Mas sossegue, leitor, porque só quero me divertir e não vou entrar em aspectos de gramática ou lingüística. A gente também precisa falar besteiras, jogar conversa fora, que é para não levar tão ao pé da letra outras palavras mais densas. Começo citando o termo “concomitante”. Não parece designar aquele bichinho dos jogos eletrônicos que vai comendo tudo pelo caminho? Concomitante só pode ser o nome de um monstro comilão e saltitante! E paulatinamente? Não seria o estilo de ser das irmãs Paula e Tina?
Pois é: nossa mente (pelo menos a minha), diante de um termo desconhecido ou pouco usado, tem a mania de criar uma imagem a partir da semelhança formal com outros termos usuais. Formamos palavras a partir de certos radicais e, por isso, vamos mandando bala no mesmo raciocínio, esquecendo que a língua cria regras somente para ter o prazer incomensurável da exceção. Aliás, o que traz à sua mente o termo “incomensurável”? Eu prefiro não dizer o que penso dele. Ou seja, tenho uma idéia, mas me abstenho de comentar. Tenho e me abstenho: a língua é ou não é engraçada? E nem estou mencionando os trocadilhos, cacófatos e onomatopéias, hilários por natureza.
Todo esse preâmbulo (outra palavra supimpa!) foi só para dar uma introdução da falta de lógica da linguagem. Palavras gigantescas podem não acrescentar quase nada ao que já foi dito, enquanto outras bem pequenininhas mudam tudo, constroem ou destroem mundos. Vale lembrar que o palavrão mais comum do português tem apenas duas letrinhas. Você pode mandar seu desafeto para Pindamonhangaba, que nada vai acontecer, mas se o destino do xingamento for o lugar com duas letras...
Uma sílaba, duas letras, tem também a palavra que dá título a este texto: se. E já que estou nesse jogo infantil com a linguagem, brinco de teórico afirmando que essa reles palavrinha é a causadora da maioria dos nossos males mentais. Todas as preocupações desgastantes que acabam com a gente nascem do “se”. Queremos ardentemente que algo aconteça. Mas, e “se” não acontecer? Pronto! O pensamento vai criar uma rede de possibilidades terríveis para jogar areia no nosso sonho inicial. Se isso, se aquilo, se aqui, se acolá, se o dinheiro não vier, se ela me abandonar, se ele não se curar, se o mundo se acabar... O se é a maior e mais sintética invenção do diabo. Devia constar nas fichas dos internos nas clínicas psiquiátricas, no item razão da internação: “mania de se”. Aproveito para inventar o termo “semaníaco”, aplicado aos corroídos pela dúvida e pelas preocupações. Todos vítimas do “se”, essa palavrinha sonsa e dissimulada...
Nessa minha brincadeira besta, agora vou aproveitar a onda das teorias conspiratórias sobre segredos seculares da religião e marias madalenas para lançar minha própria teoria. Esta: cientistas descobrem que todas as religiões do mundo foram criadas para conter o “se” do homem. Dogmas de fé são um santo remédio para os semaníacos. Para quem Cristo falava no Sermão da Montanha, senão para as vítimas do se? Para quem mais aqueles conselhos sobre confiança no amanhã e no fim das dúvidas? É fato: lírios do campo e passarinhos do céu são melhores do que nós, porque são imunes ao se.
A minha sociedade secreta dos cavaleiros místicos das forças anti-se inclui muita gente famosa na história e no mundo pop. Tem o Djavan, que fez uma canção de sucesso chamada Se (“mais fácil aprender japonês em baile, do que você decidir se dá ou não...”) e tem também o antigo grupo Bread, que, em inglês, fez muita gente dançar coladinho com a envolvente If.
Meu povo, preciso acabar rapidamente esse texto, pois sinto a aproximação de duas letras gigantes vindo ao meu encontro. Meu Deus! É um “s” e um “e”... Oh, não! As letras se juntaram! Para trás, miseráveis! Tarde demais... Estou acabado... O se me pegou na cabeça. E se o leitor não gostar do que escrevi? Se achar muita idiotice? Se não entender a brincadeira? Se nunca mais quiser ler meus textos? E se...

3 comentários:

  1. Hahaha...
    Teus textos são simplesmente incríveis, Nivaldo.
    Adoro brincar com as palavras, sabe... É um exercício gostoso de se fazer.

    E olha... Sou "semaníaca"; confesso. =P

    Um abraço.

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  2. Muito bom esse texto... Todo esse jogo com as palavras ficou ótimo! E tem cada palavrinha esse nosso português, hein? Algumas gigantescas que nos dão limites gigantescos em busca de um significado, além das curtas que dizem tudo... E ao contrário também, por que não?
    Ahh, o 'se'... somos todos semaníacos, não? Outros com mais frequencia que outros, mas todos somos, ou alguém não enlouqueceu em algum momento com os 'ses' da vida?

    Adorei, Nivaldo!

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  3. Que prazer, que delícia ler você...

    Nem te sinto tão longe assim, sabia?

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