Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







domingo, 2 de janeiro de 2011

O primeiro olhar


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 02/01/2011

Foi ali pelo meio da década de 1970, no interior baiano, que a prima Lindaura entrou na casa de meus pais, seguida de uma procissão de curiosos, e largou sem delongas o motivo da visita: trazia uma irmã de Rosinha que nunca tinha visto uma televisão na vida! Enquanto meu irmão corria para ligar a enorme Colorado RQ, no canto da sala de jantar, ouvíamos a história da menina, mocinha já. Morava nos matos da outra margem do Rio Paraguaçu, sem luz elétrica, e nunca pudera ver uma tevê ligada. Nos segundos de espera pelo surgimento da imagem na tela em preto e branco, todos os olhares convergiam para os olhos da menina.

Mal a televisão se acendeu, a menina soltou um grito: “uai, dá choque”, e grudou-se no braço de Lindaura. Nós todos, moradores da casa mais a platéia de uns 20 meninos vadios, caímos na risada. Que choque seria esse que só ela sentira? E fomos vendo na reação daquela tabaroa o sabor da descoberta de um mundo – explicando aqui que tabaréu e tabaroa designam, na Bahia, os matutos dos grotões. Logo a televisão começou a apresentar o programa Mundo Animal. Os gritos da menina passaram a ser de prazer e assombro. Olha uma cobra! Minha Nossa Senhora, que bicho é esse? O bicho vem pra cá?

Naquela tarde, fixos nas retinas da menina donzela de um hábito já tão corriqueiro para nós, nossa sensação era de poder. Sabíamos tudo de Tarcísio e Glória, de novelas e seriados, de desenhos e programas mais, enquanto ela, a coitada dos matos, sentia na pele o choque da eletricidade estática da tevê e se comprazia feito boba. Já não tínhamos mais na memória o nosso primeiro contato com a novidade. E os tais olhos virgens da menina eram, assim, a nossa nova tela inaugural, nosso deleite de crianças.

Como uma onda eletromagnética, essa história adormecida me veio à memória no instante em que pensei sobre o que escrever na primeira crônica de 2011. Sei lá, acho que desejo a mim e aos leitores uns olhos inéditos. Olhos de se espantar, se encantar, abertos para a surpresa. Ou olhos que se maravilhem com o maravilhar de outros olhos. Peço um ano de inéditos olhares. Amém.

3 comentários:

  1. Nivaldo querido que a menina da sua história nos atinja com seu olhar de amor,um sadio olhar de otimismo pra esse ano novo que já é feliz.
    Feliz 2011 com muita luz pra voce.
    Beijão.
    Madá

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  2. "Sei lá, acho que desejo a mim e aos leitores uns olhos inéditos. Olhos de se espantar, se encantar, abertos para a surpresa. Ou olhos que se maravilhem com o maravilhar de outros olhos. Peço um ano de inéditos olhares. Amém."

    É o que eu desejo, Nivaldo. É o que eu desejo pra mim, pra ti e pro mundo todo.
    Inéditos olhares.

    Um abraço, amigo.
    Sempre é bom ler-te.

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  3. Nivaldo querido... Depois de tanto tempo sem vir aqui, me deparo com esse "feliz 2011"! Que maravilha ler você!
    Que 2011 seja exatamente assim... os inquietos de plantão não suportariam mais do mesmo!
    Beijo, meu querido! Saudade mata, sabia?

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