Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
domingo, 5 de setembro de 2010
Certas viagens erradas
Castelo do século X, em Guimarães, onde começou Portugal
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 03/09/2010
Viagens, até as erradas são ótimas. É o que diz a alma nômade que me habita, depois de eu ler trechos de um diário de viagem retirado do armário. Mais de um ano se passou, mas as emoções voltam nas imagens registradas por minha letra tremida, ali, no calor da hora, no norte de Portugal. Agora é cena de cinema: eu e uma velhinha miúda, sozinhos na plataforma, à espera de um trem, ou melhor, de um comboio, que nos levasse à cidade histórica de Guimarães. Voltemos a fita.
Eu tinha saído de Porto, com destino ao berço da formação de Portugal, o reino primeiro de Guimarães. Este é o comboio, indicou-me um fiscal da estação. No vagão, logo entrou a tal velhinha, guiada pelo mesmo fiscal. Bem baixinha ela, menos de metro e meio, com uma capa de chuva azul, abotoada até o pescoço (embora fizesse sol), e puxando um carrinho de feira com rodinhas. Eu acordara dispersivo, e sem demora deixei-me arrebatar pela paisagem.
Depois da estação Ermesinde, notei que já não mais coincidiam as paradas com o itinerário fixado no comboio. Fui prestar atenção: aquele roteiro não terminava em Guimarães, mas em Caíde! O fiscal no Porto dissera que era aquele trem... Pois não era! Em Caíde, fim da linha, eu e a senhorinha de capa caímos na real do erro. Contei o ocorrido ao fiscal do lugar, que rubricou nossos bilhetes, e voltamos no mesmo comboio até Ermesinde, onde deveríamos tomar outro para Guimarães – e que só passaria dali a duas horas!
Ajudei a minha parceira de engano a subir as escadas, puxando eu o seu carrinho de feira, e eis a cena de nós dois sozinhos na gare. Não xingamos o fiscal do Porto, envoltos na curiosa cumplicidade de seres confiantes no destino. Passava do meio-dia, eu precisava comer alguma coisa. Minha amiga sem nome não quis nada, tinha seu lanche. Deixei-a na estação, zanzei pela cidade, comi frutas e voltei à nossa espera silenciosa. Ermesinde: um toque de Hermes, deus das estradas?
Por fim, Guimarães. Na estação, a velhinha portuguesa apertou-me as mãos e disse: que tua vida seja de muitas felicidades. Suas mãos eram quentes. E eu segui feliz, feliz.
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