Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Quatro elementos e um funeral
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 17/09/2010
O sol batia na estante de livros. Gostou daquilo: um pouco de calor evita mofos e manchas nas páginas. Também era como se a luz solar estivesse a iluminar seu caudal de informações, qual um fogo a lhe clarear os recônditos do cérebro. Cada título nas lombadas, uma história, um tratado, uma viagem. E seu mundo quase ali, na estante, organizado em visões de outros. Mas a luz baixou, sol ocultado por nuvens, mudança no ar. Outras nuvens, escuras, chegavam, ao sabor de um vento forte.
Somente uma fresta na janela, e por ela o vento foi tecendo a sonoplastia de sua força. Viração de tempestade. Vento odeia obstáculos, enfrenta-os, silva, uiva, urra. Vento quer ser novo, sempre. A vidraça a tremer, um certo medo se instalou, mas veio a calma da lembrança do tudo bem após outros vendavais. Ah, não fosse pelo estrago possível, que bom seria escancarar tudo a esse vento! Deixar-se levar, voar, voar, até o pouso final sobre o inédito que o vento promete. Mas agora era a chuva, de grossas gotas, que já batia na janela.
Não demorou para a vidraça virar cortina aquosa, turvando a visão de fora – e a sala, aquário difuso, peixe encerrado dentro. Lavavam-se céus e mundo no grosso fluxo. No íntimo, uma suave acolhida de si, vestígio de um banho refrescante, feito sensação de sonho bom, de memória feliz, de ternura antiga. Inquietações se dissolviam no fluir universal. Não haveria rancor, medo ou ferida de alma que não pudessem receber o balsâmico jato daquela chuva. Bastava abrir o peito, não resistir, esperar um pouco, entregar-se. Tudo passa, e até a chuva passou.
O sol voltou – ar fresco, janela outra vez aberta. Subiu-lhe o cheiro de terra molhada, húmus da vida, mãe eterna à espera de novas sementes. Quis pisar no chão de pés nus. Pulou a janela. E cavou com os dedos um buraco, no quintal. Ali, depositou sonhos frustrados, desejos velhos, vazios de ânsia. Cobriu tudo de terra, ficou um montinho, qual sepultura. Antes de entrar, olhou a cova. Quem sabe nascesse ali a esperança? Sim: já era tempo de morte virar vida. Faltava bem pouco para chegar a primavera.
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