Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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redor, sobre tudo. É isso aqui.







domingo, 5 de setembro de 2010

Crônica do banheiro


Nivaldo Pereira

Com você, leitor, mais um episódio das minhas ocasionais e delirantes viagens por dentro de casa e por seus utensílios. Desta vez, pretendo olhar as banalidades do banheiro, certamente o espaço doméstico mais visitado por todos os moradores da casa. Quebrando as convenções desse recinto de solidão e intimidade, convido-o a entrar nele comigo e a fechar a porta. Vou mostrar o quanto o banheiro, tão necessário, também pode ser palco de muitas aflições. Venha sem medo.

Primeiro, a pia. Nela encontra-se uma peça de metal ou plástico, pequena mas com o poder de derrubar a máxima do sábio grego Heráclito de que tudo flui: a torneira. Foi inventada para interromper e controlar o fluxo inexorável da água. Pena que nem sempre ela cumpra a contento sua função. Há uma legião de torneiras assassinas, ávidas por ensopar as vítimas incautas. Nunca é a nossa, porque dessa a gente conhece bem o jeito de abrir, a força necessária para o jorro de água sair. É quando a gente entra num banheiro desconhecido que elas atacam com seus jatos potentes em nossas partes baixas. Vexame na certa.

Às vezes elas cismam de pingar, pingar, pingar. Certa feita, num hotel de Montevidéu, quase enlouqueci de insônia com o ploc-ploc da torneira do banheiro _ uma máquina de tortura chinesa. De outras vezes, elas passam direto do ponto de vedação e tornam a se abrir, relaxadas. E se tem uma coisa que adoramos adiar é a troca do famigerado selinho redondo de vedação. Vamos dando um jeitinho, deixando para amanhã, achando demais chamar um encanador para mudar uma pecinha tão besta. Enquanto isso, nossas visitas padecem na pia e muita água vai pelo ralo. Insanidades domésticas...

Para evitar o desperdício de água em banheiros com grande visitação pública, inventaram as torneiras inteligentes, que, a um toque ou a uma passada de mão embaixo, lançam jatos de vazão calculada. As torneiras podem ser inteligentes, mas me sinto um idiota ativando sensores que nem sempre funcionam, como se eu fosse um mágico de poderes fajutos, incapaz de sensibilizar um mecanismo desses. Odeio particularmente aquelas que dão uma choradinha de nada e param. Enquanto uma mão se lava, a outra fica ativando a torneira. Dá uma saudade da velha bacia...

Da pia, vamos ao vaso sanitário, o decantado trono de todos. Tão familiar, tão necessário, tão versátil, servindo até como cadeira de leitura, mas sempre um potencial instrumento de terror se ele não estiver em seu banheiro. Vaso alheio é um poço de surpresas. Poucas situações nessa vida podem ser mais constrangedoras do que quando a gente vai a um banheiro desconhecido e percebe que a descarga não funciona. Válvula estragada? Ou faltou água? Senhor, valei-nos! Um momento atrás éramos reis no trono, e agora, trocamos nosso reino por um balde cheio de água! Vejam como é a vida...

Eu me divirto nos banheiros dos botecos com aquela descarga ativada por uma cordinha de náilon. São sempre pretas, imundas, e a gente fica tentando encontrar um trecho mais limpinho para pegar na corda. Como não há, terminamos puxando bem lá em cima, no plástico. Cordinhas pretas à parte, essas descargas ainda são melhores do que as de parede, embutidas, que a gente aperta a válvula e nada acontece. E quando entramos no banheiro do bar e a calamidade já está lá, no vaso, indicando que a descarga está quebrada? Ao sair, como explicar para o próximo da fila que você não foi o autor da obra? Vexames, vexames.

Vamos tampar o vaso e abrir a ducha. Sim, essas também aprontam nos banheiros. Dão choque na torneira, esfriam de repente e lançam pingos gelados em nossa cabeça na hora da toalha. O ralo entope, o sabonete cai, furinhos do chuveiro ficam enviesados, molhando para além do box ou da cortina. A lista de infortúnios no banheiro é mesmo enorme. Tenho certeza de que você, amigo leitor, poderia enumerar muitos itens de infelicidade de dentro desse nosso recanto de purificação e intimidade. Agora vamos abrir a porta, senão “o povo malda.” Duas ou mais pessoas saindo juntas de um banheiro é bafão na certa...

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