Terceira Casa?

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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Crônicas portuguesas 1: Quatro túmulos e dois cegos


Nivaldo Pereira
Publicada no Pioneiro, 13/03/2009

Oeste de Lisboa. Fustigada pelas águas inquietas da foz do Tejo, a Torre de Belém revela em suas pedras a ousadia mítica do povo que fez do mar vereda para o desconhecido. Ali perto, o Mosteiro dos Jerônimos dá testemunho, em sua arquitetura no estilo gótico manoelino, do quanto valeu a pena tal ousadia. Glória de Deus, bravura dos homens, riquezas do Brasil recém-achado, e eis a suntuosa edificação religiosa que impressiona e encanta com seu rendilhado na fachada. Dentro da igreja, um vitral faz incidir a luz da tarde sobre um túmulo portentoso, o do poeta Camões, cujos versos louvaram os feitos de Vasco da Gama, o intrépido navegador que rasgou do oceano uma nova rota para o Oriente e que repousa em outro túmulo espetacular, mais à esquerda. Gostei de vê-los ali, alinhados, o herói e seu trovador, história e poesia em parceria de eternidade.

Mais adiante, sob um silêncio quase sólido, dou de cara com um túmulo sobre dois elefantes de pedra. A inscrição informa: Dom Sebastião. Mas é túmulo de ficção, pois o jovem rei português nunca retornou da batalha contra os marroquinos em 1578, nem seu corpo foi jamais encontrado. No entanto, esperar pela volta do rei, envolto em névoas, virou uma seita que chegou até o nordeste brasileiro. Lembro na hora dos versos de Fernando Pessoa: “Quanto é melhor, quando há bruma, / Esperar por Dom Sebastião, / Quer venha ou não!”

Logo depois, fora da igreja, no claustro do mosteiro, dá-se a surpresa. Três cubos empilhados guardam os restos mortais dele, Fernando Pessoa. Uma professora explica aos aluninhos que a poesia do Pessoa era tão imensa, que ele precisou inventar outros nomes para dar conta do dom. Aí, passa um rapaz, guiado por um cão, tendo ao braço a mão zelosa de uma senhora. Um cego muito bonito, feito modelo. As crianças olham. Eu olho. O que faria um cego num museu? Sorveria atmosferas? Versos numa das faces dos cubos de Pessoa respondem, magicamente: “Não basta abrir a janela / Para ver os campos e o rio. / Não é bastante não ser cego / Para ver as árvores e flores.”

Lágrimas em jato turvam tudo. Choro no claustro, de pena da minha cegueira.

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