Terceira Casa?
No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.
domingo, 14 de agosto de 2011
O caso da coelha
Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 12/08/2011
Diante de mim, no nervoso centro urbano, uma coelha segurava um cartaz com ofertas de uma financeira. Propaganda oportunista essa, que buscava na época da Páscoa o tema de seu reclame, fazendo a mocinha pagar o mico de parecer uma coelha na multidão. Uma tiara na cabeça segurava duas orelhas de pelúcia, combinando com a maquiagem no rosto e com um aventalzinho de bolotas. Pelo menos pouparam-na de um pompom no popô, o que daria ares maliciosos à personagem, certeiras alusões às coelhinhas da Playboy.
Eu olhei a cena, ri muito do ridículo da menina, e para compensar minha maldade até louvei sua disposição para o trabalho. Naquele sol da tarde, trabalhando honestamente, que beleza. Só que alguma coisa ali não funcionava, a fantasia não me convencia. Olhei-a de novo, saí pensando que a mocinha, por detrás do sorriso simpático, estava detestando aquele serviço. Eu logo julguei: vai ver foi só o que ela encontrou, uma coisa avulsa de entregar folhetos e segurar cartazes. Uma grana certa, mas um serviço para o qual ela não fora talhada. Tudo comum, tudo normal: nem sempre se faz o que se gosta. E esqueci da coelha.
Uma hora depois, voltando pela mesma rua, avistei outra vez a personagem. De novo sua performance de coelha me passou desconforto. Foi quando avistei, do outro lado da rua, outra jovem com igual fantasia. Obviamente, as duas eram colegas da mesma propaganda. Mas a de lá passava seriedade. Ali estava uma coelha de verdade! Havia entrega, havia verdade nela. Quando eu ia destilar desprezo pela má coelha, percebi no rosto dela o detalhe que certamente tinha detonado minhas conclusões sobre a fajutice de sua atuação: a moça usava óculos!
Quem vai acreditar numa coelha de óculos, se desde crianças nos dizem que cenoura, comida amada pelos roedores, é ótima para a visão? Bingo, coelho de óculos é pura contradição! Para me purgar do mau juízo, até peguei uns panfletos com a coelha míope. Tadinha. E segui pela rua refletindo sobre as tantas vezes em que nosso olhar capta mais do que a nossa consciência, alimentando apressadas associações e péssimas conclusões.
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