Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O imaginário das ruas


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 19/08/2011

Gosto de artes que definem ou reinventam espaços reais. Por exemplo: músicas e poemas sobre cidades, bairros, ruas. Quando transito por algum lugar que já tenha sido cantado ou contado antes, o imaginário sempre emerge como um começo de diálogo com tal território. É uma delícia flanar pelas ruas de Porto Alegre com a bússola do Quintana ou mergulhar no mar da Bahia sob as ondas do Caymmi. Não consigo transitar pelo cruzamento das avenidas Ipiranga e São João sem evocar a Sampa do Caetano. Ou caminhar pelo Recife sem atentar para os rios, pontes e overdrives do Chico Science.

O imaginário é poderoso. Não fossem os romances de Erico Verissimo, lidos na adolescência, posso quase garantir que jamais deixaria a Bahia para viver no Rio Grande do Sul. Muito do fascínio que sinto por Minas Gerais deve-se aos livros do Guimarães Rosa e às canções do Milton Nascimento. É bíblico: o verbo está no princípio. E quando este verbo vem embebido de uma prosa magistral ou de versos musicados, pronto: o mundo que ali se anuncia ganha ares míticos, espaço de fantasia, morada de deuses e heróis. A Baixa dos Sapateiros de hoje pode ser feia e suja, mas ali para sempre andará a morena mais frajola da Bahia – como quis Ary Barroso.

Na vibração do Tolstoi, falar da nossa aldeia é premissa para um alcance universal. A Caxias do Sul da obra de José Clemente Pozenato, em livro e filme, correu mundo. A cidade, assim, ganhou uma relevante cartografia mítica. Só acho que a moderna Caxias é pouco mapeada pelos seus artistas. Há muita nostalgia e memória e raro trato à bola contemporânea. Desconfio que possa haver aí um medo de se soar provinciano ou que falte mesmo amor pelo lugar em que se vive. Entre honrosas exceções, cito os versos urbanos do Dhynarte Albuquerque e as canções da Camila Cornutti. Mas é pouco.

Alô, poetas e músicos: já para as ruas! Há sonhos espalhados nas calçadas da Júlio, há juras de amor no Parque dos Macaquinhos, há delírios na Praça Dante, há pressa na Visconde e promessa na Garibaldi. Olhem: eis uma cidade enorme, ainda emudecida sobre a própria identidade.

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