Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
textos, falas e pensamentos. Sobre o quê? Sobre si mesmo, sobre o mundo ao
redor, sobre tudo. É isso aqui.







sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Pode falar


Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 06/08/2010

Resolvi contar: um, dois, três, quatro... lá adiante cinco, seis... e sete! No percurso de uma única quadra, cruzei com sete pessoas andando e falando ao telefone celular. Nada demais. A toda hora, em todo lugar, tem sempre alguém falando ao celular. É quase um uniforme eletrônico da moderna urbe, um crachá do mundo globalizado. Todos em sintonia, comunicação geral. Será?
É confortante saber que agora somos todos localizáveis, sempre disponíveis, ao alcance de duas ou três teclas. Há que se estar na conformidade de um tempo sem perdas de tempo. Se a vida corre, corremos atrás, equipados da melhor tecnologia. Nos teares virtuais, tecemos nossas redes de proteção, nossas tendas de relações, sem mais fios, mas com sensíveis microchips de mil contatos. Plugados, ligados, antenados. Prontos para viver a plenitude de si, o sumo do outro, o delicado da vida, como falou Clarice. Será?
Aos sons nervosos da apressada avenida se somam os fragmentos de mil falas. Onde você está? Estou chegando. Por que não me ligou? Estou na rua. Talvez de noite. Me liga avisando. Sim, posso falar. Pode deixar. Amanhã eu vejo. Passa por e-mail. Onde você está? Te ligo quando estiver chegando. Vou ficar sem bateria. Te vejo mais tarde. Será?
Eu olho as tantas pessoas andantes e falantes, qual um rebanho cibernético do qual posso logo fazer parte, bastando atender ao toque bovino do meu próprio chocalho na bolsa. Sim, estou na rua, mas posso falar. Posso falar. Posso falar. Posso falar. Todos podemos falar. Mas será que temos o que dizer? Será?
Fala-se muito, fala-se demais, pensa-se pouco, silencia-se nada. Falta escuta na conversa, falta verdade na imagem, falta honestidade na alma, falta alma no corpo. Diante de tanta falta, buscamos, corremos, queremos e falamos. Falamos e procuramos. Não sabemos bem o quê, mas vamos encontrar. Será?
Não, não, agora que nos achamos, não vamos perder o contato. Claro que te ligo. Vou ter muito mais tempo: basta um carro mais veloz, uma banda larga mais potente, um novo chip. Aí poderei viver tudo. E seremos felizes para sempre. Tem que ser. Alô?
Pode falar.

4 comentários:

  1. Oi, Nivaldo, então vou falar...Lembrei que meu pai, anos atrás, costumava ficar sentado na área dos fundos de casa e observava a rua e quem por lá andava. Um dia ele disse: Só o que falta é os cachorros passarem falando ao celular.
    abraços
    Rejane Romani Rech

    ResponderExcluir
  2. Falo pra você Nivaldo!!
    A dependência é certa e cada vez aumentando,é um mal necessário com suas vantagens e desvantagens.
    Vejo pessoas com um,dois,três celulares no bolso,ficam perdidos quando todos tocam de uma só vez.Fico só imaginando as próximas evoluções e que outros mimos com seus vícios poderão trazer para as pessoas,e que mal que pode refletir.
    Beijos. Madá

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Rejane, que ótima imagem essa do teu pai! Daria uma charge ótima. Imagine o Rex falando ao celular: "Lassie, minha cachorrona, vai esquentando o osso, que já estou chegando..."
    Madá, é a gente na encruzilhada da tecnologia, né? Bom senso e justa medida nunca saíram de moda. É como dizia o Rei Roberto: "Eu não sou contra o progresso, mas apelo pro bom senso..." Acho que o bom senso vem quando a gente institui a hora sagrada do silêncio.
    Abraço pra vocês.

    ResponderExcluir