Terceira Casa?

No mapa astral, a Terceira Casa é o setor das comunicações e expressões,
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Quando fui velho


Eis o elenco da Farsa, com o "velho", à esquerda, ainda de cabelos escuros

Nivaldo Pereira
Crônica publicada no Pioneiro, 20/08/2010

Dizem que baiano não nasce: estréia. E que baiano não morre: sai de cena. Longe de mim sequer questionar esses ditos irônicos sobre a exuberante faceta artística ou exibida de meu povo. Embora eu seja tímido (juro) e não tenha coragem de subir num trio elétrico (ou só falo isso porque nunca fui chamado?), já tive passagens pelo teatro, em que amigos apenas comentaram: ele se presta... Pois já me prestei a encarnar um velho gaúcho estancieiro, o seu Jesuíno, na peça A Farsa da Esposa Perfeita, numa performance – digamos – marcante.
Sabendo que topo maluquices, a Zica Stockmans me convenceu a ser o velho Jesuíno. Na composição do personagem, ficou claro que eu deixaria os cabelos grisalhos com um truque comum dos teatreiros: espargir na cabeça graxa líquida Nugget branca para sapatos. Depois da peça, garantiu-me a Zica, era só sacudir o cabelo, que saía toda a tinta, feito farinha. Para não ter trabalho, não usei a graxa em nenhum ensaio. No dia da estréia, na função de carrega e monta cenário, é que lembrei: faltava comprar a Nugget. Fui a um armarinho ali perto. Sorte: entre frascos de Nugget de tudo que é cor, só uma branca. Depois, já com o figurino, tasquei o líquido no cabelo. Quando secou, uma beleza: fiquei com uns 70 anos.
Teatro lotado, tensão de estréia, frio de junho no palco, rolou a peça, correu tudo bem. Beijos e abraços nos camarins. E haveria uma recepção no saguão do teatro. Trocamos de roupa, e fui sacudir o cabelo. Nada! Cabeça na torneira fria. Nada! Ziiicaaaa, berrei. Onde estava o tal sacudir que a tinta sai? Fiz um drama histérico no camarim: ninguém sai daqui até eu ter meu cabelo de volta! Espantada, a Zica foi conferir o frasco. Não era graxa líquida! Era tinta branca para tênis, de outra marca, e o distraído aqui nem tinha reparado. E tinta é tinta – e pinta.
Ser ou não ser? Não havia tempo para decidir. Enfiei uma touca na cabeça, e fomos à recepção. Eu precisava beber... Já em casa, até a madrugada eu ainda estava debaixo do chuveiro quente, remoçando aos poucos.
Naquela noite eu aprendi o que é carregar nas tintas do personagem.

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